Montiel Ballesteros
Nós também tivemos nosso Adão,
crioulo, de quem Deus pegou uma costela para formar uma Eva que lhe apresentou
como companheira.
Depois da china lhe trouxe o pingo,
para a lida do trabalha e a diversão do passeio ou das carreiras; e a guitarra,
que lhe presenteou para adoçar os pesares e para ensaiar cantares em que
extravasasse a poesia de sua alma.
Mais adiante, para defendê-lo da
intempérie, lhe apresentou o rancho, com um fogão onde assaria o churrasco para
alimentar-se e com um berço para abrigar o filho por nascer.
Depois lhe trouxe o cachorro
vigilante e a companhia matinal da calandra para, na aurora, despertá-lo com
sua música tão doce.
E o homem, com todos esses tesouros,
ainda parecia não estar contente.
E Deus lhe perguntou:
- Que falta?
O paisano lhe respondeu, filosofando:
- Tudo passa, Papai Deus,
menos a dor... Minha mulher pode se ir com outro; haverá momentos em que não terei
vontade de cantar; quando eu for velho não montarei o pingo, meu filho fará
rancho aparte, pode fugir o cachorro, cair a casa... E a mim não restaria
nenhum companheiro. Um companheiro a quem contar devagarinho as penas, as
tristezas da vida; que me faça sentir sua quente mão de varão, e que seja sério
calado e fiel.
Então, Deus lhe presenteou o mate
amargo.
*Adolfo Montiel Ballesteros (Paysandú, 1888 - Montevideo, 1971) é um
clássico da literatura campeira do Uruguai, destacando-se dentre suas obras
“Queguay el niño índio”, “Fábulas” e “Querência”.
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