Crônica de
Estávamos todos sentados, ou melhor,
desmanchados nas cadeiras. Do mar, não muito distante, vinha uma brisa suave
que nos enchia de vida, nos refrescando até a alma. Na mesa, uma cerveja loura,
geladíssima, espumante. Os copos enchiam e logo se esvaziavam. Os goles desciam
pela garganta; as ideias, através das palavras, diziam coisas sem nexo, sem se
preocupar em formar algo de importância.
O sol do meio-dia nos tocava de leve,
manso e macio como uma carícia de mulher amada. Enfim, arriscaria até a dizer
que era um sol aveludado. As meninas, douradas, passavam por nós indóceis, mas
ninguém ligava; estávamos completos, felizes sem saber por quê.
Éramos todos amigos de amizades
formadas com o desenrolar dos anos, e, não sei por qual acaso, tínhamos nos
reunido naquela praia. O tempo ali parecia que não passava. A vida ali era
muito mais vida. Uma vida que Deus, talvez, reservasse somente aos seus
escolhidos. Naquela praia, na mesa, éramos como anjos que se encontram para
descansar num fim de semana no paraíso. Gente? Creio que não éramos, talvez
fôssemos bichos, plantas... sei lá! Naquela hora, naquele momento, não
pensávamos em nada. As
sensações nos vinham de fora. Os olhos se fixavam em qualquer ponto. O corpo,
só o corpo sentia e vivia. O único som era o balanço do mar batendo na areia. Um
som que quando chegava aos nossos ouvidos, parecia um som celestial. Ríamos de
qualquer coisa. Quando não tínhamos motivos para rir, pelo menos um sorriso
ficava constantemente em nossos lábios.
Era depois do almoço, sentíamos de
barriga cheia, como um ruminante que se deita ao sol, feliz, por haver saciado
a fome, e como estar de barriga cheia fosse a maior ventura desta vida. Creio,
aliás tenho certeza, que todos estávamos leves e com cuca fresca. Não tínhamos
obrigações com horários, encontros formais, conversas desnecessárias, etc. Nós
nem sabíamos quem éramos. Não tínhamos passado; não sabíamos o que fazíamos no
presente e futuro não interessava a ninguém. Só queríamos viver, simplesmente.
De vez em quando bocejávamos, o corpo
se aconchegava ainda mais na cadeira. Uns, mudando de posição, procuravam um
ângulo melhor para receber o sol. Outros queriam somente a minissombra dos
guarda-sóis. O lugar comum entre nós era a preguiça repousante que nos
entorpecia por completo. E sempre alguém, entre goles de cerveja, assobiava uma
música que afluía espontaneamente em pedaços de pequenos sons. Para nós, além da
inércia, existia uma felicidade inconsciente. Felicidade feita de sol, de mar,
de cerveja e de muita amizade. Não queríamos saber de mais nada. O mundo estava
muito distante, e coisas como fome, tristeza, trabalho, poluição, guerras,
desamor, etc. Tudo isso ficou lá, no mundo real. O que ignorávamos
alienadamente era justamente o que nos fazia felizes.
No ar, parava um cheiro agradável de
maresia, um cheiro de vida. Parecia que ainda estávamos instalados no ventre
materno, pois não sentíamos nenhuma sensação exterior. O sol era o cordão umbilical
que nos enchia de vida. Não havia nenhum interesse de nascer para a realidade.
A mãe natureza era prodigiosa para conosco. Creiam! Vocês precisam estar lá
para ver como era bom!
De repente, depois de muito tempo,
alguém sugere de irmos à beira-mar. Então uma sensação estranha de realidade
(uma sensação leve) faz com que pensemos em outras coisas. Eu, por exemplo,
lembro-me que estávamos brigados, talvez até uma separação definitiva. E com
esta sensação, levanto-me da cadeira e começo a pensar em você... Com saudades.
(Tramandaí, RS, dezembro de 1971)
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