Moacyr Scliar
APRENDI que escrever
é basicamente contar
histórias, e que os melhores livros de ficção que li eram aqueles que
tinham uma história para contar.
APRENDI que o ato de escrever é uma sequela
do ato de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las
no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor depois as
nossas próprias palavras.
APRENDI que, quando se começa a
plagiar não faz
mal nenhum. Eu copiei descaradamente muitos escritores,
Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram
com isto. E copiar me fez muito bem.
APRENDI que, quando se começa a escrever, sempre se é autobiográfico, o que - de novo - não prejudica. Mas os escritores que ficam sempre na autobiografia, que só olham para o próprio umbigo, acabam se tornando chatos.
APRENDI que, para aprender a escrever, tinha de escrever. Não adiantava só ficar falando de como é bonito (...).
APRENDI que uma boa ideia pode ocorrer a qualquer momento: conversando com alguém, comendo, caminhando, lendo (e, segundo Agatha Christie, lavando pratos).
APRENDI que uma boa ideia é realmente
boa quando não nos abandona, quando nos persegue sem cessar. O grande teste para uma ideia é tentar se livrar dela. Se
veio para ficar, se resiste ao sono, ao cansaço, ao cotidiano, é porque merece
atenção.
APRENDI que aeroportos
e bares são
grandes lugares para se escrever. O bar, por razões óbvias; o
aeroporto, porque neles
a vida como que está em suspenso. Nada como uma existência provisória
para despertar a inspiração literária.
APRENDI que as
costas do talão de cheque é um bom lugar para anotar idéias (é por
isso que
escritor tem de
ganhar a grana suficiente para abrir uma conte bancária). O guardanapo
do restaurante também serve, desde que seja de papel e não de pano. (...).
APRENDI que
o computador é um
grande avanço no trabalho de escrever, mas tem um único inconveniente: elimina
os originais, os riscos, os borrões, e, portanto, a história do texto, a qual -
como toda história - pode nos ensinar muito.
APRENDI
que a mancha
gráfica representada pelo
texto impresso diz muito sobre
este mesmo texto. As linhas não podem
estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão eloqüente quanto o espaço
preenchido pela escrita. O texto precisa
respirar, e quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um
texto bom.
APRENDI a rasgar e jogar fora. Quando um texto não é bom, ele não é bom - ponto. Por causa da autocomiseração (é a nossa vida que está ali!) temos a tentação de preservá-lo, esperando que, de forma misteriosa, melhore por si. Ilusão. É preciso ter a coragem de se desfazer. A cesta de papel é uma grande amiga do escritor. (...)
APRENDI
a não ter pressa de publicar. Já se ouviu falar de
muitos escritores batendo aflitos, à
porta de editores. O que é mais raro,
muito mais raro, são os leitores batendo à porta do escritor.
APRENDI a não reler meus livros. Um livro tem existência autônoma, boa e má. Não precisa do olhar de quem o escreveu para sobreviver.
APRENDI que, para um escritor, um livro
é como um filho, mas que é preciso diferenciar entre filhos e livros.
APRENDI que terminar um livro se acompanha de uma sensação de vazio, mas que o vazio também faz parte da vida de quem escreve.
APRENDI que há uma diferença entre
literatura e vida literária, entre literatura e política literária. Escrever é
um vício solitário.
APRENDI a diferenciar entre o verdadeiro crítico e o falso crítico. O falso crítico não está falando do que leu. Está falando dos seus próprios problemas.
APRENDI que, para um escritor, frio na barriga ou pelos do braço arrepiados são um bom sinal: um livro vem vindo aí.
Escrever é reescrever
Nilson Souza
(Zero Hora,
31-12-1990)
Qualquer pessoa pode redigir desde que tente para valer. O difícil é reler até nada mais ter para cortar ou acrescentar. A mensagem deve permanecer clara.
Primeiro,
é preciso saber que o universo reservou
um lugar certo para cada palavra e só
ali ela faz
sentido. Como disse Voltaire, uma palavra posta fora do lugar estraga o
pensamento mais bonito.
Mas
ninguém nasce com esta clarividência. Um texto se constrói, às vezes
lentamente, muitas vezes penosamente, raras vezes facilmente. Depende do
esforço do construtor. E de sua persistência para refazer a obra quando ela
desabar, seja por insuficiência de alicerce cultural, seja por causa de desvios
temáticos ou de implosões gramaticais.
Qualquer
pessoa consegue escrever, desde que tente para valer. Talento natural existe e
ajuda, mas não é tudo.
Uma
boa maneira de começar é selecionar o que se tem a dizer
e para quem. A partir daí, da forma
mais simples e
direta possível, narra-se o fato. Com as palavras que vierem à
cabeça. Até que se esgotem. Depois, sim,
começa a tarefa mais trabalhosa: reler uma,
duas, tantas vezes
quantas forem necessárias.
E ir retirando,
sem autocomiseração, tudo o que parecer duvidoso, exagerado, sem graça
nem sentido. Se não sobrar nada, começa-se
de novo. Se sobrar muito, talvez seja melhor fazer outra leitura.
Quando não
houver mais nada
para acrescentar ou
tirar, e a mensagem principal permanecer clara, o
texto está pronto.
Parece
simples, mas dói um bocado. Só que não tem outro jeito.
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