sábado, 9 de novembro de 2019

Filhos tóxicos

Fabrício Carpinejar

Arte ZH: Everson Godinho

É comum falar de pais tóxicos, mas pouco questionamos o papel dos filhos tóxicos.

Os filhos egoístas que diminuem os seus genitores dizendo que estão caducos e que repetem as mesmas histórias (quando todos repetem as mesmas histórias, não importando a idade).

Os filhos que são megalomaníacos e cobram insaciavelmente os seus direitos e não enxergam a contrapartida de seus deveres.

Os filhos que não dividem os seus méritos, porém culpam a família pelos seus fracassos.

Os filhos que humilham madrastas e padrastos, por pura inveja da felicidade, para manter o seu reinado.

Os filhos que gastam tudo o que podem com os seus romances e não são capazes de pagar o plano de saúde de seus antigos responsáveis.

Os filhos que gritam com os pais em público, rindo da lentidão do apego, desdenhando as suas lembranças e os seus feitos.

Os filhos que não respeitam de onde vieram e quem são, quebrando espelhos e negando a simplicidade de sua origem.

Os filhos incompetentes para ouvir e valorizar a sabedoria da experiência, que entendem qualquer conselho com a indisposição de uma censura prévia.

Os filhos que foram amados e, mesmo assim, abandonam os pais velhos em asilos, sem nenhuma visita ou ligação afetiva.

Os filhos que consideram a velhice como um problema contagioso, uma quarentena vitalícia, da qual se deve manter distância.

Os filhos que acham que aposentadoria é não fazer nada, que acumulam chamadas não atendidas no celular, que prometem ligar de volta e jamais retornam.

Os filhos programados para dizer que o pai ou a mãe não tem mais condições de gerir a própria rotina, apressados de diagnósticos e laudos, com a evidente intenção de se beneficiar e acelerar a partilha do testamento.

Os filhos que não permitem que os pais tenham manias, excentricidades e desejos loucos, como qualquer um, rotulando naturais excessos em insanidade.

Os filhos que apenas ficam com os pais em suas casas, desprovidos de cuidado especial, interessados em embolsar a aposentadoria, de tal maneira que anulam a independência e autonomia dos idosos de sair para a rua e passam a retirar o dinheiro de uma vida inteira, o justo salário deles, no guichê da Caixa Econômica Federal, apropriando-se de cartão e senha, utilizando o benefício como parte de seus salários.

Esses filhos não merecem um puxão de orelhas da sociedade? Porque eu não vejo ninguém comentando os abusos deles.

(Publicado em Zero Hora, novembro de 2019)


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