terça-feira, 5 de novembro de 2019

A mulher ideal



A mulher ideal pode ser a minha.
Pode ser a tua.
Ou o que tu pensas da minha.
Pode ser a o que eu imagino da tua.
Tem que mexer com a imaginação, ser motivo de excitação.
E não pode acabar aí. Tem que continuar em ternura,
com todo o cansaço do ato.
Tem que ser apoio pra perna. Tem que ser quentinha.
E até pode ter os pés frios.
A mulher ideal é aquela que, com suas virtudes,
não amarrota nossos defeitos.
Alimenta nosso ego sem saber cozinhar.
Dá de comer à nossa paixão.
Gosta de Brahms, Rachmaninoff e de Roberto Carlos.
É suficientemente inteligente para se fazer de burra.
E que a língua seja cortante para ironizar à altura
É ideal que seja pequenininha para caber no bolso da camisa.
Aí a gente guarda ela ali e tira de vez em quando pra dar uns beijinhos.
Mas às vezes tem que ser grande.
Grande de fazer sombra pra gente descansar com água fresca.
Tem que deixar chamá-la de “minha mulher”.
Ah! − E que não nos chame de “paizinho”. Isso enfraquece a libido.
Não pode botar o dedo na cara da gente e nem chamar de companheiro
ou camarada, também.
Tem que ser objeto de uso pessoal, exclusivo e intransferível.
É aquela que a gente mostra para os amigos.
Ou porque é bonita, ou porque é inteligente ou porque é as duas coisas
 − e aí na gente não mostra.
É aquela que lê um coisa dessas e nos chama de machista, alienado.
Mas que não queira provar igualdade no braço.
Tem que ser extremamente livre para prender a gente.
Mas não pode voar além de nossa capacidade de suportar.
A mulher ideal é aquela que deixa a gente vestir todas as fantasias
e que faça carnaval com elas.
Tem que contar aventuras que pareçam eroticamente verdadeiras.
E com detalhes.
Porque são os detalhes que dão a certeza que não são verdadeiras.
Tem que fazer com a gente tudo o que sempre fez sozinha.
Sem vergonha.
Não pode ser analisa.
Porque mulher analisada entende sempre e te explica.
Tem que ser bandeide para nossos arranhões
e faixa pras nossas costelas quebradas.
Tem que ser amiga, companheira e até o homem da casa,
que esse papel cansa.
Ideal é aquela que os outros acham que tu não a mereces.

Texto de Michele Caetano, no livro:
“De Quatro ou como fazer sucesso à sombra do Luis Fernando Veríssimo”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário