A origem
Ilustração de Percy
Lau
É curioso observar a evolução do
significado da palavra “favela”, segundo Laudelino Freire, designa um arbusto
da caatinga baiana Enterolobium
ellipticum, que deu nome a um morro, que se tornou célebre na campanha de
Canudos, em 1897.
Os barracões construídos no morro
da Providência, perto da Estrada de Ferro Central do Brasil, para abrigar os
soldados que voltaram ao Rio, depois da campanha, chamados “favelas” pelo povo,
foram, depois de seu retorno aos quartéis, vendidos e alugados à população
pobre da cidade, passando o morro a chamar-se Favela, tal como o seu homônimo baiano. Em seu livro Habitações
Populares publicado pela Imprensa Nacional em 1906 o então engenheiro da
Prefeitura Everardo Backheuser, chama a atenção para o problema surgido − a
procura desse morro pela população da cidade, que o buscava em virtude de
demolições de casas e abertura de ruas realizadas com o fim de, zelar pela
higienização e embelezamento da mesma. O problema é, pois, antigo e o nome
favela tornado substantivo comum, é encontrado nos dicionários como “conjunto
de habitações populares, toscamente construídas e desprovidas de recursos
higiênicos”.
Desenvolvida entre planícies e
apertada entre morros, a cidade cresceu ocupando aquelas e fugindo a esses; o
morro foi deixado de lado enquanto a habitação não constituiu problema que
alarmasse o carioca. Chegou, porém, o momento em que parte da população da
cidade foi obrigada a se amontoar em hotéis, pensões e casas de cômodo,
enquanto outra parte, a menos favorecida, passou a subir os morros, neles
estabelecendo agrupamentos de casas a que denominamos favelas. Esses casebres,
que abrigam os elementos mais pobres da população da cidade, não se restringem
mais, entretanto, aos morros da Mangueira, da Providência, do Cantagalo, mas,
zonas planas, abandonadas ou ainda desocupadas, veem repentinamente aparecer e
como que se multiplicar, as favelas, tanto mais numerosas quanto maior a
facilidade de transporte. Nos morros nota-se maior concentração nas partes mais
baixas, rareando as construções à medida que se vai subindo.
As favelas surgem ocupando
terrenos “de ninguém”, da Prefeitura ou da União e, muitas vezes, em terrenos
alugados. Há casos de grandes áreas, pertencentes a particulares, serem
divididas e alugadas. Cada parte é novamente dividida e alugada a terceiros
que, após nova divisão, começam a construir os “barracos” para alugar.
Aproveitando restos de prédios
demolidos, os “construtores” erguem-nos da noite para o dia. Outras vezes é o
próprio dono o construtor do “barraco” em que mora, e que ele procura melhorar
e aumentar na medida de suas possibilidades.
Os barracos são, de modo geral, construídos de tábuas de caixote e pedaços de lata, havendo-os, também de sopapo; a cobertura de folhas de zinco ou, ainda, de lata, é protegida por grandes pedras que a impedem de voar quando o vento é forte. Sobre o chão de terra é usualmente colocado um estrado de ripas de madeira, que isola a cama ou o que lhe faz as vezes, entre os menos favorecidos. Uma porta e uma janela arejam e permitem o acesso ao barraco que parece, por vezes, enterrado no chão, sendo necessário vergar-se um pouco a cabeça para nele penetrar. No mesmo cômodo que serve de quarto, em geral escuro devido à fumaça, a um canto há uma pequena mesa sobre a qual é colocado o fogareiro de carvão. Pendurados à parede ou em pequenas prateleiras, ficam os utensílios de cozinha, misturados com réstias de cebola, retratos e imagens de santos.
Um ou outro barraco possui duas
peças − sala e quarto, vendo-se de vez em quando um mais bem arranjado, tendo
armário de roupas, mesa e até rádio. São, porém, desprovidos das menores
exigências de conforto e higiene, não possuindo água (a não ser a da chuva que
entra pelas frestas), nem sistema de esgoto. Os barracos amontoam-se uns ao
lado dos outros, deixando entre si espaços exíguos que constituem ruas, nas
quais existem, de modo geral, vala onde é jogada a água, restos dos despejos
caseiros e onde pululam mosquitos.
A água é problema sério para o favelado. Quando existem bicas, a população faz filas para encher as latas e levá-las para casa. Às vezes, um poço ou uma “mina”, nas favelas situadas em morros, torna-o menos premente.
A luz é também obtida de maneira
interessante; certos indivíduos conseguem para si instalação elétrica;
estabelecem, porém, uma cabina para redistribuição de força a 200 ou 300 casas,
cobrando uma quota pelo “benefício” prestado. Acontece, porém, que, em virtude
da instalação deficiente, há sempre necessidade de consertos, sendo obrigados a
contribuir para os mesmos os “beneficiados”.
As favelas possuem vida inteiramente à parte do resto da cidade. A luz e a água são, como vimos, obtidas de maneira sui generis. Elas possuem até mesmo casas de negócio, as “biroscas”, espécies de armazéns que vendem sem pagar impostos, açougues, casas de ferragem e até consultórios médicos.
Algumas vezes os habitantes
promovem bailes, cuja entrada é cobrada mesmo às mulheres, com o fim de
financiar escolas e postos de assistência social dirigidos por eles próprios e
que servem a interesses de terceiros.
E é nessas condições que vivem, segundo as estatísticas, 280 0001 habitantes da cidade do Rio de Janeiro, sendo metade desta cifra constituída de crianças que, em geral, não frequentam escolas nem possuem registro civil. Cada um daqueles barracos abriga famílias compostas de duas a onze pessoas, gente humilde e sem ambição, vivendo inteiramente à margem da sociedade.
Fonte: Favelas / Eloísa de
Carvalho in Tipos e Aspectos do Brasil. − Departamento de Documentação e
Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia /
Fundação IBGE. − Rio de Janeiro, 1970.
(Do blog Terra
Brasileira)
P.S. Hoje, as casas das favelas
cariocas são feitas de alvenaria, tijolos sem pintura, com Gatonet e outros
benefícios irregulares alternativos.
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