sábado, 16 de novembro de 2019

O poema José − A paródia Mané


José?

Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio − e agora?´

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Mané?

Hildegard Angel*

E agora, Mané?
O país acabou,
a luz apagou,
o emprego sumiu,
a noite é calor,
e agora, Mané?
e agora, você?
você que é sem nome,
que no Face é tigrão,
que se acha e ameaça,
que xinga, protesta,
e agora, Mané?

Está sem dinheiro,
não tem pro mercado,
seu vício é taxado,
já não pode beber,
já não pode fumar,
nem a eletricidade,
a noite é um horror,
o dia é mais tarde,
o transporte é mais caro,
só o riso é de graça,
mas não tem do que rir,
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, Mané?

E agora, Mané?
Com a palavra cassada,
sem SUS, nem pra febre,
o almoço é jejum,
o jantar é não tem,
sua aliança de ouro,
ser pobre é destino,
sua incoerência,
seu ódio − e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe casa;
quer nadar no mar,
o mar virou óleo;
quer ir para Miami,
Miami não tem mais.
Mané, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se esperneasse
ao som do Lobão,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, Mané!

Sozinho no escuro
qual pobre coitado,
só ódio e agonia,
sem uma parede
para se encostar,
sem seu carrão vendido
pra não dar calote,
você marcha à ré!
Mané, para onde?
  

*Hildegard Beatriz Angel Bogossian (Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1949) é uma jornalista brasileira.

Filha da estilista Zuzu Angel e de Norman Angel Jones, irmã de Stuart Angel Jones, Hildegard trabalhou como atriz no teatro, no cinema e na televisão nas décadas de 60 e 70, antes de se tornar conhecida no jornalismo, especialmente como colunista social a partir dos anos 1980. Dedicou-se ao colunismo social no jornal O Globo, e, posteriormente, de 2003 a 2010, no Jornal do Brasil.

Fundou em 1993 o Instituto Zuzu Angel, entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção e à capacitação da moda no Rio de Janeiro, tendo como objetivo principal lembrar a luta de seu irmão, Stuart Angel Jones, e de sua mãe, a estilista Zuzu Angel, que teve uma morte considerada suspeita num acidente de automóvel no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro, em abril de 1976. Mantém, atualmente, um blog próprio, onde escreve sobre a sociedade carioca e a política nacional.




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