quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Ainda há juízes em Berlim?



Conta-nos François Andrieux, em seu poema chamado “Le meunier de Sans-Souci” (O moleiro de Sans-Souci), que Frederico II, rei da Prússia, resolveu construir para si um belo palácio, numa paisagem tranquila e calma. Construiu, então, o castelo em uma região chamada de Sans-Souci, que significa ‘sem preocupação’. Ocorre que nestas redondezas havia um moinho antiquíssimo que atrapalhava a visão do monarca e impedia a sua ampliação; decidiu então o rei que removeria o moinho a qualquer custo: ofereceu riquezas, tentou negociar e o moleiro, dono do moinho, se opôs aguerridamente à expropriação do seu moinho.

Frederico II, após saber da oposição do moleiro, fez chamá-lo a sua presença e questionou-lhe os motivos que lhe faziam manter a ideia de continuar com o moinho erguido. O moleiro, em sua humildade, conta que o pai do seu pai, o seu pai e ele haviam trabalhado durante toda a vida naquele moinho e que seu filho também trabalharia quando mais velho. Irritado, Frederico II diz ao moleiro: “Sabes que, se eu assim o ordenasse, ainda que contra sua vontade, poderia expropriar-te da terra sem lhe dar um único centavo, não sabes?” e o moleiro redarguiu: “O senhor? Tomar-me o moinho? Ainda existem juízes em Berlim!”.

Pasmo com a ousada e certamente ingênua resposta, que indicaria a disposi­ção do mo­leiro em litigar com o próprio rei na Justiça, Frederico II decidiu alterar seus planos, deixando o sujeito (e seu moinho) em paz”.

François Andriex concluiu o conto com uma certa dose de melancolia, ao mencionar que o respeito real acabou prejudicando a própria província. Ao que parece, o escritor lamentou o recuo do rei diante de um insignificante moleiro.

Entretanto, o episódio imortalizado em versos passou para a história como um sím­bolo da independência possível e desejável da Justiça. Para o moleiro, a Jus­tiça certa­mente seria cega para as diferenças sociais e não o distinguiria do rei, mesmo em uma monarquia. Sua corajosa resposta e o recuo respeitoso do rei passaram a ser lembrados para demonstrar situações em que o Judiciário deve limitar o poder absoluto dos gover­nantes. Até hoje o moinho existe e sempre que um juiz corajoso se posiciona com inde­pendência e justiça, ou­vimos a expressão: “Ainda existem juízes em Berlim!”

A história passou a símbolo da independência da Justiça. Para o moleiro, a certeza do seu direito, ainda que litigasse com o poderoso rei. Sua firme resposta e o reconhecimento do rei imortalizaram circunstâncias que o Judiciário aí está para limitar o poder. O moinho continua lá, em face da coragem do moleiro. É muito bom que haja juízes corajosos e independentes.


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