Carta que Elis Regina escreveu
para o filho João Marcello Bôscoli, dias antes de ele completar um ano.
Elis Regina foi não só a maior
cantora da história da nossa música popular, mas uma mulher de garra e paixão
sem limites, com a emoção sempre à flor da pele, que não conseguia esconder o
que sentia a cada momento da sua breve vida.
Dias antes de João Marcello
completar um ano, em 1971, Elis escreveu e guardou a carta num cofre para que
ele só a lesse quando fizesse 18 anos.
A carta foi encontrada pelo
jornalista Julio Maria, e publicada na sua biografia da cantora, “Nada será
como antes”, em 2015. Elis morreu de overdose em 1982. Não viveu para saber o
que João Marcello sentiu ao ler o que a mãe lhe escreveu.
(Do blog Balaio do
Kotscho)
João Marcello e Elis Regia, foto de Silvio Correia
“Rio, 14 de junho de 1971.
João,
Queria era te dizer que te amo,
que preciso de você. Quero você mais do que tudo que já quis.
Queria te dizer também que não
sei como achava graça nas coisas antes de você surgir, porque eu sinto uma
falta incrível de você.
Quando não está por perto, os troços perdem o sentido e a
razão.
Outra coisa que você precisa saber é que você construiu
pacas.
Você me pegou um bagaço daqueles,
me ajeitou, me maneirou, me devolveu a risada do ginásio, criou uma fonte de
investimento em minhas áreas menos desenvolvidas.
Negócio maravilhoso a sua mão no
meu cabelo. A única mão que não me mete medo.
Coisa linda seus olhos me olhando
sério, me descobrindo até pra mim.
Incrível sua boca sorrindo e
falando coisas poucas, mas o suficiente para nos entendermos e sabermos que
estamos em boas mãos. Quanto eu devo! Não tem o que dê jeito.
Você chegou e arrasou, acabou com o baile.
Se porventura eu falhar, se não
estiver à sua altura, se for menos do que você acha que merecia, não me imagine
mais do que eu sou. Tenho tantos problemas quanto você. Não me culpe.
Antes, procure me compreender.
Sou resultado do que a vida fez comigo, inconsciente e inconsequentemente.
Saiba, porém, que você foi o
único ser com o qual eu não fui inconsciente nem inconsequente.
Pensei, medi tudo, apesar de que
não sou perfeita. Bem que gostaria de ter sido, mas nunca se consegue, mesmo
tentando o máximo.
O bacana é que sobra a todos uma
vida para consertar os erros cometidos nesse pouco tempo e, no que depender de
mim, creia, me jogo de cabeça e não te deixo em falta.
Só quero que a gente sempre fale de frente, sem camuflagem,
olho no olho.
Esteja certo, eu nunca vou mentir, nem uma mentira piedosa.
O que tiver que ser, vai ser. Nem que seja ferro em brasa,
mas vai.
Porque o que há de mais bonito é
a confiança nos companheiros de briga. Fora dela, não há salvação.
É o mínimo que posso fazer de
verdade verdadeira por você, que me deu uma concepção nova de vida.
Só me falta dizer muito obrigada
por você ser tudo o que você é, por você ter nascido e por você ter me dado a
felicidade de dividir tão intimamente o meu corpo.
Sejamos felizes, é o que eu quero.
E é o que há de ser, meu filho. Sou tua sempre.
Mamãe”.
(Do livro: “Elis e
Eu”, de João Marcello Bôscoli)
Capa do livro “Elis e
eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe”,
de João Marcello
Bôscoli − Foto: Silvio Correia
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