sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A história da Casa de Correção, antigo presídio da Capital.

Sérgio da Costa Franco*


Para os que têm menos de 60 anos, esclareço preliminarmente que se chamou “Casa de Correção” o presídio que existiu em Porto Alegre, na extremidade da península central, inaugurado em 1855 e dinamitado impiedosamente em 1962, como se usa fazer nestas paragens com os edifícios públicos, quando se tornam velhos. Ele teve sua pedra fundamental lançada em 1852 como fruto de reiteradas reivindicações, pois a minúscula “cadeia velha” já não existia desde o tempo da Revolução Farroupilha. Estimo que sua pedra fundamental agora tenha sido localizada e aberta pelos arqueólogos, pois deve conter jornais, moedas e interessantes documentos da época. (Há algum tempo, quando do desmonte de outro edifício que fora inaugurado pelo Imperador Pedro II em 1846, quem se adonou da pedra fundamental, com suas moedas e medalha comemorativa, foram os operários do Município, e houve quem quisesse aplicar ao caso as regras jurídicas do achado de tesouro...).

A Casa de Correção foi inaugurada pelo presidente alagoano Cansanção de Sinimbu, que a homenageou com algum orgulho, porque seria um edifício “espaçoso, arejado e seguro”, embora ainda carecesse de algumas obras complementares. Acolheu inicialmente 195 detentos. As administrações sucessivas, seja no Império, seja na República, trataram com algum respeito esse patrimônio do Estado, ampliando-o repetidamente. A julgar pelo depoimento de um viajante alemão (Moritz Schanz) que esteve em Porto Alegre, possivelmente em 1889, o presídio seria ameno e leniente, tanto que o chamou de “presídio alegre”, pois dele emanavam cantorias e brincadeiras dos detentos, que recebiam “um tratamento extremamente indulgente”.

Encontro num relatório relativo ao ano de 1918, da Secretaria de Obras Públicas, a informação sobre as reformas e ampliação que se estava praticando no edifício, num projeto que aumentaria em dois terços a sua capacidade. Usava-se a mão de obra dos próprios apenados, mediante remuneração, módica evidentemente. Durante os governos de Borges de Medeiros e Carlos Barbosa, houve preocupação de manter em atividade diversas oficinas, onde os apenados trabalhavam e aprendiam ofícios. O mobiliário elaborado na marcenaria da Casa de Correção chegou a ser bem reputado, havendo mesmo no Palácio Piratini móveis de estilo, produzidos pelos presidiários. É claro que o próprio sistema prisional do século 19, com seu desprezo pelos direitos humanos, encerrava algumas iniquidades, como as famosas celas de castigo, desumanas e insalubres, que os apenados tinham apelidado de “Democrata” e “Republicano”, respectivamente. Segundo me consta, o “Republicano” ficava abaixo do nível do Guaíba, sendo, por isso, dominado pela umidade. O “presídio alegre” do alemão Moritz Schanz já não existia...

Parece claro que só foi possível manter alguma atividade industrial e aprendizado técnico enquanto era modesta a população carcerária. Uma estatística de 1937 ainda nos apresenta uma Casa de Correção com 537 detentos, sendo 463 homens, nove mulheres e 65 menores. Nesse mesmo ano, informava o governador interino, as mulheres reclusas tinham sido transferidas do estabelecimento para uma dependência do Abrigo de Menores.

O aumento populacional do Estado e o crescimento da criminalidade foram, ao longo do tempo, tornando superlotada a prisão, com óbvias consequências na condição de vida dos presidiários. Na década de 1950, a precariedade das instalações e a superlotação já despertavam indignação pública, embora ainda estivessem muito longe do descalabro da penitenciária do século 21. Alguns órgãos de imprensa e jornalistas, com a melhor das intenções, encetaram então uma campanha pela demolição do centenário edifício, como se fosse ele o culpado de sua degradação, e não os governantes negligentes e desidiosos. Culminando essa campanha, em 25 de abril de 1962, com a presença do governador Leonel Brizola, que tinha, aliás, mandado construir uma nova Penitenciária, o centenário edifício, ainda sólido e utilizável para outras finalidades, foi dinamitado. Não sensibilizou o Rio Grande do Sul o esplêndido exemplo de Pernambuco, que aproveitou o velho prédio de sua Cadeia em Recife, para abrigar oficinas de artesanato e atividades culturais patrocinadas pelo governo estadual. Temos aqui, especialmente na Capital, um ódio manifesto por tudo quanto é antigo, e não respeitamos aquilo que os antepassados construíram com denodo e espírito público.


Fendas abertas em área que está sendo revitalizada junto às obras da orla mostram a base do portão de entrada da Casa de Correção

*Sergio da Costa Franco, Historiador, autor de “Porto Alegre: Guia Histórico”.

(Do jornal Zero Hora, julho de 2016)


Casa de Correção, parte interna.


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