sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Histórias de Paraquedistas XXXIII

Uma palavra, um erro, formou um destino trágico.


O fato que vai ser narrado aqui, foi um fato isolado dentro das múltiplas atividades que acontecem num ano na Brigada de Infantaria Paraquedista. Mas ele, infelizmente, aconteceu. Foi-me contado por um ex-paraquedista que vivenciou esse acontecimento. Conto para que um jovem, que sofreu muito pelos percalços da vida, em sua curta passagem por ela, por mais simples que fosse, merece ser narrada neste almanaque, pois será a sua única marca a ser deixada por ele na sua breve vida de 20 anos.

Vamos ao fato:

Em 1975, o jovem negro Jorge Francisco da Silva, egresso da FEBEM, onde viveu toda a sua vida, sem pai, sem mãe, sem o carinho que só uma família pode dar a um ser humano, almejava ser um cidadão de bem, construir uma família e ter um lar decente.

Já com a idade de servir ao Exército, inscreveu-se na Brigada de Infantaria Paraquedista para tentar seguir, na vida militar, uma carreira que pudesse realizar seus sonhos e mudar, para melhor, uma vida difícil traçada pelo destino para uma criança abandonada.

Com treinos exaustivos, num período conturbado da política nacional, ele, com muito esforço e determinação, no Turno do 1975/1, já com o número de Pqdt 26.272, conseguiu os símbolos mais sagrados que um jovem pode almejar dentro de uma Tropa de Elite, como é a Tropa Paraquedista: o bute marrom, o brevê prateado e a boina bordô.

Agora, era deixar passar o tempo, estudar, se esforçar e lutar para que lhe fosse dada uma oportunidade de conseguir realizar o seu sonho: ser um graduado, para mudar o rumo mal-traçado de sua vida, sem lar, sem carinho e sem amor.

Na Páscoa de 1975, já brevetado, o seu colega de farda, Jorge dos Santos Arruda, Pqdt 26276, do Turno 1975/1, DoMPSA, convidou o jovem colega para um almoço comemorativo da Páscoa de Jesus Cristo, em sua casa. O jovem, ao ver uma família cristã unida, mesa posta e orações religiosas, sentiu-se num mundo de encanto e admiração, do qual, desgraçadamente, a vida lhe privou.

Num dia da semana, na hora do rancho, desacostumado com as regras rígidas da caserna, ele pediu ao soldado que tinha a função de servir determinada quantia de alimento a cada recruta na hora do almoço, mais uma concha de feijão, que lhe foi negada. Um sargento, cor parda, vendo a cena, resolveu interferir de maneira intempestiva, gritando ao jovem:

− Aqui é quartel, não é favela de onde você veio, seu macaco!

O jovem, sendo humilhado e agredido de uma forma cruel e preconceituosa, reagiu dizendo ao sargento do rancho:

− O senhor tem o direito de me negar mais uma concha de comida, mas não tem o direito de me chamar de macaco, na frente dos meus colegas!

O sargento retrucou:

− Garanto que na favela de onde você veio nunca comeu duas conchas de feijão, macaco!

O jovem, agora ofendido duas vezes, incontinenti, jogou a badeja de comida na cara do sargento, que fez menção de puxar sua pistola do coldre. Um jovem aspirante, que presenciou toda a cena, advertiu o sargento:

− Eu vi toda a cena, e o senhor está errado!

Conclusão: o jovem paraquedista pegou trinta dias de xadrez, no final do ano foi obrigado a dar baixa da Brigada, foi morar na Cidade de Deus para ser mais um soldado do tráfico e, em 1977, dois anos depois desse trágico acontecimento, foi morto numa batida policial.

Como dissemos no título acima: uma palavra que não deveria ser dita com a força de uma ofensa racial, uma reação sanguínea de um jovem criado sem amor, que o forçou a ter uma vida que ele não planejou, mas lhe foi imposta pelo destino. Só podia terminar numa tragédia anunciada...

(Testemunha do fato: Pqdt Jorge Arruda dos Santos,
Texto do Pqdt Nilo da Silva Moraes)


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