Conto de Coelho Neto
Ia um menino por uma estrada,
cantando como os passarinhos que voavam de ramo em ramo, quando ouviu uma voz
que chamava:
− Menino loiro, que ides passando
ao sol com tamanha pressa, por que não descansais? Vinde aqui um instante:
tenho mel e bolos de farinha, e leite e dar-vos-ei tanto ouro quanto possa
conter a bolsa que sobraçais.
− Eu vos agradeço, disse o menino
loiro, mas, como as horas voam e já soou a sineta, não me posso deter um só
instante.
− E aonde vos levam passos tão ligeiros?
−À escola.
− Bem feliz sou eu que vivo sobre
moedas de ouro neste palácio de colunas de prata, cercado de gozos. Que me
importa saber como nasce a planta, por que brilha a estrela, e o que houve
dantes que me importa? Sei que tenho tesouros, escravos, leitos fofos de penas
onde me estiro preguiçosamente... que me importa o mais? Vais trabalhar tanto!…
tenho pena de ti.
Anos depois, já moço, tornava o
menino loiro à casa de seus pais, quando, ao passar no antigo sítio onde
outrora avultava o palácio, lembrou-se do menino que o chamara e pôs-se a
procurar os muros fortes, mas só via urtigas e ruínas, erva brava e escombros
e uma voz saiu dentre as ruínas:
− Esmola a um pobrezinho pelo
amor de Deus! O moço loiro deu então com um homem alquebrado e envelhecido que
estendia a mão trêmula. Caridosamente deu uma moeda ao pobre e lembrou-se de
perguntar pelo palácio que ali houvera em tempos.
− Ah! meu senhor, suspirou o
infeliz. Quem o visse tão forte nas suas bases de granito e de mármore, não o
julgaria tão fraco. Levaram-no as águas tumultuosas do rio num inverno, e todo
o tesouro, que era grande, foi-se águas abaixo.
− E o menino que nele vivia, que é feito dele?
− Aqui o tendes, senhor, nesta
miséria que vedes, sou eu mesmo. Vivo de esmolas, porque nada tenho e nada sei.
Tudo quanto eu valia as águas levaram.
O moço loiro, ouvindo esses
lamentos do infeliz, agradeceu no coração os cuidados paternos e bendisse as
noites que passara debruçado à mesa dos estudos; caminhando dizia:
− Ah! a fortuna que eu trago
acumulada na cabeça, não a roubarão ladrões, não a levarão torrentes, porque as
suas bases são mais fortes de que o granito e o mármore. Pobre menino do
palácio de ouro!
*****
(Do livro “Seleta em
Prosa e Verso”, de Alfredo Clemente Pinto)
Alfredo Clemente Pinto (Porto Alegre,
1854− 1938) foi um educador,
escritor
e político
brasileiro.
Filho do português Clemente José Pinto, teve 11 irmãos e foi o escolhido da
família para dedicar-se à Igreja, mas como não era sua vocação, após dois anos,
doente dos pulmões, conseguiu a autorização paterna para abandonar a Igreja.
Tornou-se educador, dedicando mais de 40 anos de sua vida ao magistério. Foi
eleito deputado estadual, à 21ª
Legislatura da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, de 1891 a 1895.
É autor de uma famosa obra didática,
utilizada por longos anos nas escolas gaúchas, intitulada Seleta em Prosa e
Verso. Também traduziu para o português a obra de Ambrósio Schupp, Os Muckers − Episódio
Histórico Ocorrido Nas Colônias Alemãs do Rio Grande do Sul, sobre a revolta dos Muckers.
Nenhum comentário:
Postar um comentário