terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Os dois meninos

Conto de Coelho Neto


Ia um menino por uma estrada, cantando como os passarinhos que voavam de ramo em ramo, quando ouviu uma voz que chamava:

− Menino loiro, que ides passando ao sol com tamanha pres­sa, por que não descansais? Vinde aqui um instante: tenho mel e bolos de farinha, e leite e dar-vos-ei tanto ouro quanto possa conter a bolsa que sobraçais.

− Eu vos agradeço, disse o me­nino loiro, mas, como as horas voam e já soou a sineta, não me posso de­ter um só instante.

− E aonde vos levam passos tão ligeiros?

−À escola.

− Bem feliz sou eu que vivo sobre moedas de ouro neste palácio de colunas de prata, cercado de gozos. Que me importa saber como nasce a planta, por que brilha a estrela, e o que houve dantes que me importa? Sei que tenho tesouros, escravos, lei­tos fofos de penas onde me estiro preguiçosamente... que me importa o mais? Vais trabalhar tanto!… tenho pena de ti.

Anos depois, já moço, tornava o menino loiro à casa de seus pais, quando, ao passar no antigo sítio onde outrora avultava o palácio, lembrou-se do menino que o chamara e pôs-se a procurar os muros fortes, mas só via urtigas e ruínas, erva brava e escom­bros e uma voz saiu dentre as ruínas:


− Esmola a um pobrezinho pelo amor de Deus! O moço loi­ro deu então com um homem alquebrado e envelhecido que estendia a mão trêmula. Caridosamente deu uma moeda ao pobre e lem­brou-se de perguntar pelo palácio que ali houvera em tempos.

− Ah! meu senhor, suspirou o infeliz. Quem o visse tão forte nas suas bases de granito e de mármore, não o julgaria tão fraco. Levaram-no as águas tumultuosas do rio num inverno, e todo o tesouro, que era grande, foi-se águas abaixo.

− E o menino que nele vivia, que é feito dele?

− Aqui o tendes, senhor, nesta miséria que vedes, sou eu mesmo. Vivo de esmolas, porque nada tenho e nada sei. Tudo quanto eu valia as águas levaram.

O moço loiro, ouvindo esses lamentos do infeliz, agradeceu no coração os cuidados paternos e bendisse as noites que passara debruçado à mesa dos estudos; caminhando dizia:

− Ah! a fortuna que eu trago acumulada na cabeça, não a roubarão ladrões, não a levarão torrentes, porque as suas bases são mais fortes de que o granito e o mármore. Pobre menino do palácio de ouro!

*****

(Do livro “Seleta em Prosa e Verso”, de Alfredo Clemente Pinto)

Alfredo Clemente Pinto (Porto Alegre, 18541938) foi um educador, escritor e político brasileiro. Filho do português Clemente José Pinto, teve 11 irmãos e foi o escolhido da família para dedicar-se à Igreja, mas como não era sua vocação, após dois anos, doente dos pulmões, conseguiu a autorização paterna para abandonar a Igreja. Tornou-se educador, dedicando mais de 40 anos de sua vida ao magistério. Foi eleito deputado estadual, à 21ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, de 1891 a 1895.

É autor de uma famosa obra didática, utilizada por longos anos nas escolas gaúchas, intitulada Seleta em Prosa e Verso. Também traduziu para o português a obra de Ambrósio Schupp, Os Muckers − Episódio Histórico Ocorrido Nas Colônias Alemãs do Rio Grande do Sul, sobre a revolta dos Muckers.


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