Cada qual com seu igual. Deste nosso provérbio parece foi tomado o
doutrinal apólogo das duas bilhas: uma de barro, outra de cobre, levadas rio
abaixo com a força da cheia. Rogou a de cobre à de barro que se chegasse a ela,
para que juntas resistissem melhor ao ímpeto das águas.
“Não me convém, respondeu ela, a
vossa amizade e vizinhança; porque, ou suceda topar eu convosco ou vós comigo,
sempre vós ficareis inteira e eu quebrada.”
M. Bernardes.
Era o tempo da revolta de
Custódio José de Melo. Rio de Janeiro jazia sob terror das balas. Receosos de
carência de garantias aos estrangeiros, reuniram-se os membros do Corpo Diplomático,
sob a presidência do seu decano, o conde de Parati, representante de Portugal,
a fim de deliberarem sobre o caso. Após muita hesitação, − não ousando tomar
uma atitude coletiva −, retiveram agir cada um de per si.* O representante da
Inglaterra passou a Carlos de Carvalho, ministro do Exterior, uma nota em que
comunicava, que, dentro em breve, estaria na Guanabara uma esquadra inglesa,
para garantir a vida dos súditos da Grã-Bretanha Respondeu-lhe Carlos de
Carvalho, que o assunto era de tal forma melindroso que aconselhava fosse
ouvido o próprio Presidente. Confiante no prestígio e na força da Nação que
representava, dirigiu-se o embaixador a palácio. E’ introduzido na sala da
audiência. Após os cumprimentos, toma a palavra:
− Excelência desejava saber como
seria recebida no Rio uma esquadra inglês que teria o único fim de garantir a
vida dos súditos de S. Majestade Britânica?
Floriano, com aquela serenidade
que nenhum perigo, nenhuma ameaça conseguia perturbar, respondeu, impávido:
− À bala!…
Jonatas Serrano
*Per si ou de per si, oriundo do
Latim de per si e, quanto utilizado, pretende dizer: por si, de modo individual
ou isolado.
Cabe a ele, de per si, reunir as provas da má conduta de seu
adversário.
*****
Acabara de ser exposto o quadro
de Pedro Américo “Batalha de Avaí”. Pedro II, que se vangloriava de exímio
conhecedor das obras de arte, lá se foi com a sua corte a ver o novo trabalho
do afamado pintor. Pararam todos em frente ao quadro E o imperador, desde logo,
pôs-se a fazer a análise da bela pintura. Elogiou o conjunto, admirou os
pormenores, aplaudiu o efeito do colorido. Enquanto isso, a um canto Caxias
olhava, de esguelha e simultaneamente, o quadro, o Imperador e o artista. Seus
dentes cerrados murmuravam qualquer coisa de incompreensível. Um dos cortesões,
notando-lhe o semblante enfarruscado, vira-se para o Imperador e diz-lhe
baixinho ao ouvido:
− Majestade, parece que o general não está gostando do
quadro…
Pedro II volta-se surpreso. Como?
Haveria alguém que ousasse ter pensamento diferente do seu? Ele já havia
elogiado sem restrições a pintura, felicitara o autor, e alguém desaprovava o
seu juízo?
E entre autoritário e persuasivo:
− General, faltam apenas os seus parabéns.
Foi então que a fisionomia do
herói se fechou de todo. E, num gesto de desabafo, a voz surda, o olhar
severo, ressentido, disse entre dentes:
− Onde foi que Pedro Américo me viu no combate, de farda aberta
e de camisa aparecendo?
(ldem)
Perdoou el-rei D. Sebastião de
Portugal a uma viúva do seu tesoureiro metade da dívida em que seu marido
ficara obrigado à fazenda real. Não faltou quem advertisse de que parecia lance
excessivo. E ele, chamando logo a viúva, que voltava contente com o bom
despacho da sua petição, lhe disse:
− Entendeste-me?
− Sim, Senhor (respondeu ela): há Vossa Alteza por bem
quitar-me metade da dívida.
− Não é isso, sendo que perdoo-a toda.
M. Bernardes.
O papa Sixto V, que dantes se
chamava Felix Peretti, andava com bordão e cabeça baixa, fingindo-se enfermo e,
para pouco, que necessitava, sendo assunto ao pontificado, de que os cardeais
governassem por ele, e ele tivesse só o título honorífico, sem o exercício
laborioso. Mas, tanto que foi eleito e se declararam os votos, arremessou de si
o bordão e endireitou a cabeça e disse com despejo: “Até agora andava inclinado
para o chão, porque buscava as chaves de São Pedro; agora me levanto, porque
busco a fechadura, e quero abrir a porta do céu.”
(Idem)
Sonhou um homem que via um ovo
atado na ponta do seu cobertor. Consultou a um agoureiro, que lhe disse, por
interpretação, que naquele lugar onde dormia, estava escondido dinheiro.
Cavou o homem e achou ouro e
prata. Desta deu por prêmio ao adivinhador uma pouca parte, o qual,
aceitando-a meio alegre, meio triste, disse aludindo ao ouro: “E da gema não há
nada?”
(Idem)
Diógenes, filósofo cínico, cria
tão pouco nas coisas deste mundo, que nem uma choupana tinha em que viver, e
morava dentro em uma cuba. Foi-o ver por maravilha Alexandre Magno e dizendo-lhe,
com a sua natural munificência, que pedisse quanto quisesse, que responderia
Diógenes?
− Peço-te que não me tires o que não podes dar.
Disse isto, porque era inverno, e Alexandre, com a sombra do
corpo, tirava-lhe o sol.
M. Bernardes
Entrou uma vez Alexandre Magno na
oficina de Apeles, por honrar com sua presença a um sujeito tão insigne na sua
arte, e começou a falar demasiadamente acerca da pintura. Apeles com brandura,
cortês, mas picante, lhe disse:
− Senhor, veja que se ri o moço que mói as tintas.
(Idem)
Expôs Apeles à porta uma pintura
sua, e pôs-s detrás do pano a escutar os votos e censuras várias dos que
passavam. Veio um sapateiro e notou um defeito na chinela duma figura
principal. Emendou Apeles a falta, e no seguinte dia tornou a passar aquele
oficial: e, vendo a emenda, ficou satisfeito de si e atreveu-se a notar outra
coisa na perna da mesma figura. Então Apeles, aparecendo, lhe disse:
− Não suba o sapateiro além da chinela.
(Idem)
Orando uma vez em Atenas o
eloquentíssimo Demóstenes sobre matérias de importância, e advertindo que o
auditório estava pouco atento, introduziu com destreza o conto ou fábula de um
caminhante que alquilara um jumento, e, para se defender no descampado da força
da calma, se assentara à sombra dele e o almocreve o demandara por maior paga,
alegando que lhe alugara a besta, mas não a sombra dela. Estavam os Atenienses
neste passo mui aplicados, desejando saber a sentença com que se decidira aquele
pleito; porém Demóstenes, no mesmo tempo, se desce da cadeira dizendo:
− Oh pejo! Oh miséria grande! Folgais
de ouvir da sombra do jumento, e não folgais de ouvir do estado e bem público
da Grécia!
(Idem)
O rei Leopoldo II da Bélgica,
embora na sua vida não tivesse sido um modelo católico, não foi, entretanto
anticlerical. Quando as religiosas francesas, expulsas em massa por Combes,
transpuseram as fronteiras em demanda da Bélgica hospitaleira, ao rei Leopoldo
II, que se achava em Paris, se dirigiu um dos ministros do governo e pediu-lhe
desculpas dizendo:
− Lamentamos dar esse incômodo a V. Majestade. São elas que,
uma vez expulsas, procuram o seu país.
− Não se aflija − respondeu Leopoldo II — no meu país nunca
são demais as pessoas honestas.
(Textos do livro
“Seleta em Prosa e Verso”,
de Alfredo Clemente
Pinto)
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