segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Causos de galpão

Tropeiros fantasmas

Por Beraldo Lopes Figueiredo


Lá pras bandas do Oriente, no costado de Livramento, há uma fazenda centenária, toda de pedra, com mangueira redonda, angicos gigantes, um pé de umbu que aconchegou, em sua sombra, Bento Gonçalves e sua tropa.

Fazenda tão antiga, mas tão antiga que nela ainda mora as almas da revolução. Seus donos atuais, com seus carros modernos, não entendem o que acontece quando nas noites os dois mundos se encontram.

Surge, num reponte da coxilha, sob o vento minuano, uma tropa de fantasmas, cavalgando pelo pampa, gritando pela justiça dessa terra, no trote que treme a terra, no bufar das narinas dos cavalos, leves relinchos quebram o silêncio e, embaixo do velho umbu, a tropa que ninguém vê, apeia pra descansar, no clarão da lua cheia.

As esporas trepidam como um guizo de cascavel, o povo, dentro da casa, escuta tudo quietinho e quando abre a porta da casa, está tudo silente e embaixo do velho umbu nada tem, nada consta, está tudo normal. Os guaipecas da estância nem deram sinal.

Porém, quando fecham a porta, tudo volta lá fora. Umas conversas e risadas, um grita pelo mate, outra pede um pelego sobrando, pois diz que a noite tá fria. Logo se vê o barulho de gravetos quebrados, um grita pelo fogo, e logo ele acende e se vê o estalar da madeira queimando, uma conversalhada. Novamente, o dono da estância abre a porta com uma arma na mão, mas logo vê que nada tem, apenas os grilos da noite. Agora, assustado e com medo, sabe que nada vê, mas que quem ele não vê está vendo ele todo medroso.

Assim é nosso pago, cheio de mistérios, nas estâncias antigas, ainda mora almas doutro mundo, inconformadas pelo destino de morrerem tão jovens, deixando o corpo no chão, e agora estão vagando pelos campos sem fim, fazendo tantas coisas que quando seus corpos tinham. Montando em cavalos da imaginação, pobres almas perdidas, nos pampas da escuridão.

O velho peão Geremias, sabendo do acontecido, reza uma Ave Maria, pedindo que a tropa fantasma descanse noutras paragens, pois, neste encontro de mundos, a ilusão de estar aqui, pobres almas só vivem na noite, sem ver o sol estendendo sua luz no manto verde dos nossos campos.

Logo o dia amanhece, a tropa foge da luz, pois esta trás uma dúvida que eles não querem descobrir, pois ainda pensam que vivem nos pagos do pampa gaúcho, mas, na verdade, estão mortos vivendo nas noites escuras, lutando por uma briga perdida, tão perdida como uma noite sem lua.


Nenhum comentário:

Postar um comentário