terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Duas e três



Levei um susto quando aquela voz soprou em minha nuca:

− Se tu é bom, mata essa: “Não durmo no Rio porque tenho pressa; duas e três.”

Voltei-me para ver quem falava. Era um homem quarentão, alto e gorducho, de roupas imundas, rasgadas, e cara encardida. Uma cara simpática de gângster regenerado.

Ele ria:

− Mata essa, vamos!

Era de manhã cedo, em junho, e fazia um frio agradável. Acordara e, sem ter para onde ir, sentei-me naquele banco da Praça Floriano, em frente à Biblioteca Nacional, à espera de que ela abrisse. Meu velho terno marrom esfiapava nas mangas, o sapato empoeirado, a barba por fazer. “Esse homem está me tomando por um vagabundo”, pensei comigo. E achei divertido.

− Matar o quê?

− A charada, meu besta!

O velho se debruçava em cima de mim, com um riso gozador. Fedia a suor e molambo. Afastei-o um pouco, com o braço e, meio sem saber o que fizesse, acedi.

− Como é mesmo a charada?

− Só repito esta vez, tá bom? “Não durmo no Rio porque tenho pressa; duas e três.”

Sempre fui um fracasso para matar charadas. Fiz um esforço para penetrar nas palavras, mas em vão.

− Digo mais. – esclareceu-me o vagabundo. – Chaves: “Não durmo no Rio” e “Rio”. Conceito: “pressa”... Mas você é burro, hein?

Donde diabo viera aquele cara impertinente, para me obrigar a resolver uma charada àquela hora da manhã? Mas meu orgulho estava em jogo. Pensava e o pensamento escapulia.

− Não consigo decifrar. Não me amola.

− Então você perdeu.

− É, perdi.

− Então paga.

− Paga o quê?

− Duas pratas, meu Zé. Você perdeu!

Era incrível. Comecei a rir. Ele também ria e dizia: “Paga, duas pratas.”

Dei-lhe uma cédula de dois cruzeiros e fiquei ali rindo enquanto ele se afastava arrastando seus sapatos furados.

Semanas depois, estava eu no Passeio Público, quando ele veio com a mesma conversa, como se nunca me tivesse visto. “Mata essa: não durmo no Rio, porque tenho pressa; duas e três.” Respondi-lhe em cima da bucha: “Não durmo, velo; no Rio. Cidade: velocidade. “Ele ficou desapontado. “Você perdeu”, disse-lhe eu. “Paga duas pratas.” Olhou-me sério, meteu a mão no bolso e estendeu-me duas notas imundas. Fomos tomar juntos um café na Lapa.

*****

Ferreira Gullar. “Duas e três”, In: Poesia Completa, Teatro e Prosa, compilado do livro “A Biblioteca Nacional na crônica da cidade”, de Iuri Lapa e Lia Jordão.

P.S. Num concurso de charada feito pela Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, RS, nos anos 50, foi transmitida a seguinte charada para os radiouvintes:

“Sozinho, o descendente do pai do meu pai declama versos.”

Uma e duas.

Chaves: Sozinho (uma); descendente do pai do meu pai (duas); conceito: versos.

Botei a cuca pra funcionar e resolvi a questão: sozinho=; descendente do pai do meu pai=neto: versos: soneto

(NSM)


Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

Biblioteca Nacional, também chamada de Biblioteca Nacional do Brasil, cujo nome oficial institucional é Fundação Biblioteca Nacional, é a depositária do patrimônio bibliográfico e documental do Brasil, considerada pela UNESCO uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo e a maior da América Latina. Entre suas várias responsabilidades incluem-se a de preservar, atualizar e divulgar uma coleção com mais de nove milhões de peças, que teve início com a chegada da Real Biblioteca de Portugal ao Brasil e cresce constantemente, a partir de doações, aquisições e com o depósito legal.

Entre os objetos que deveriam acompanhar a família real em sua viagem para o Brasil estavam os caixotes de livros e documentos da Real Biblioteca da Ajuda, de Lisboa, com um acervo de cerca de 60 mil peças. Na pressa, os caixotes ficaram abandonados no porto e só em 1810 começaram a ser transferidos para o Brasil. Com o acervo novamente reunido, o príncipe regente D. João fundou a Real Biblioteca Nacional. Até 1814, apenas os estudiosos podiam consultar a biblioteca e, mesmo assim, mediante autorização régia. Depois dessa data, o acesso foi liberado ao público.

Em 1858, a Biblioteca foi transferida para a Rua do Passeio, número 60, no Largo da Lapa, e instalada no prédio que tinha por finalidade abrigar de forma melhor o seu acervo. Atualmente, com algumas modificações, esse edifício abriga a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como seu acervo continuava a ampliar-se com as doações, aquisições e através de contribuição legal, compra de coleções de obras raras em leilões e em centros livreiros de todo o mundo, em breve seria necessária sua mudança para outro edifício, mais adequado às suas necessidades.

O crescimento constante e permanente do acervo da biblioteca foi fundamental para a realização de um projeto de construção de uma sede que atendesse a todas as necessidades da biblioteca, acomodando de forma adequada suas coleções. Com base nisso foi projetado seu atual prédio, que teve sua pedra fundamental lançada em 15 de agosto de 1905, durante o governo de Rodrigues Alves. A inauguração se realizou em 29 de outubro de 1910, durante o governo Nilo Peçanha.

O edifício da Biblioteca Nacional, cujo projeto é assinado pelo engenheiro militar Sousa Aguiar, tem um estilo eclético, no qual se misturam elementos neoclássicos e art nouveau, e contém ornamentos de artistas como Eliseu Visconti, Henrique e Rodolfo Bernardelli, Modesto Brocos e Rodolfo Amoedo. Eliseu Visconti, ainda em 1903, já havia projetado o ex-libris e o emblema da Biblioteca Nacional.

O prédio da Biblioteca fica situado na Avenida Rio Branco, número 219, praça da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, compondo com o Museu Nacional de Belas Artes e o Teatro Municipal um conjunto arquitetônico e cultural de grande valor.



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