domingo, 26 de janeiro de 2020

Cemitério de Campanha

Jayme Caetano Braun


Cemitério de campanha,
Rebanho negro de cruzes,
Onde à noite estranhas luzes
Fogoneiam tristemente.
Até o próprio gado sente,
No teu mistério profundo,
Que és um pedaço de mundo
Noutro mundo diferente.

Pouso certo dos humanos,
Fim de calvário terreno,
Onde o grande e o pequeno
Se irmanam num mundo só.
E onde os suspiros de dó
De nada significam,
Porque em ti os viventes ficam
Diluídos no mesmo pó.

Até o ar que tu respiras,
Morno, tristonho, pesado,
Tem um cheiro de passado
Que foi e não volta mais.
A tua voz são os ais
Do vento choramingando,
Eternamente rezando
Gauchescos funerais.

Coroas, tocos de velas
De pavios enegrecidos,
Que em terços mal concorridos
Foram-se queimando a meio.
Cruzes de aspecto feio,
De alguém que viveu penando,
E, depois de andar rolando,
Retorna ao chão de onde veio.

Mas que importa a diferença,
Entre uma cruz falquejada,
E a tumba marmorizada
De quem viveu na opulência?
Que importa a cruz da indigência
A quem já não vive mais,
Se somos todos iguais
Depois que finda a existência?

Que importa a coroa fina
E a vela de esparmacete?
Se entre os varais do teu brete
Nada mais tem importância?
Um patrão, um peão de estância,
Um doutor, uma donzela...
Tudo, tudo se nivela
Pela insignificância.

Por isso, quando me apeio
Num cemitério campeiro,
Eu sempre rezo primeiro
Junto à cruz sem inscrição,
Pois na cruz feita a facão,
Que terra a dentro se some,
Vejo os gaúchos sem nome
Que domaram este chão.

E compreendo, cemitério,
Que és a última parada
Na indevassável estrada
Que ao além mundo conduz.
E aqueces na mesma luz
Aqueles que não tiveram
E aqueles que não quiseram
No seu jazigo uma cruz.

E visito, de um por um,
No silêncio triste e calmo,
Desde a cruz de meio palmo
Ao mais rico mausoléu.
Depois, botando o chapéu,
Me afasto, pensando a esmo:
Será que alguém fará o mesmo
Quando eu for tropear no céu?



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