sábado, 11 de janeiro de 2020

Vida em branco

Zélia Duncan

(Um recado aos zumbis da internet)


Você não precisa de artistas?
Então me devolve os momentos bons.
Os versos roubados de nós,
As cores do seu caminho.
Arranca o rádio do seu carro,
Destrói a caixa de som.
Joga fora os instrumentos
E todos aqueles quadros.
Deixe as paredes em branco,
Assim como é sua cabeça,
Seu céu de cimento,
Silêncio cheio de ódio,
Armas para dormir.
Nenhuma canção para ninar
E suas crianças em guarda
Esperando a hora incerta
Pra mandar ou receber rajadas

Você não precisa de artistas?
Então fecha os olhos, mora no breu.
Esquece o que a arte te deu.
Finge que ela não te deu nada,
Nenhum som, nenhuma cor,
Nenhuma flor na sua blusa.
Nem Van Gogh, nem Tom Jobim,
Nenhum Gonzaga, nem Diadorim.
Você vai rimar com números.
Você vai dormir com raiva
E acordar sem sonhos, sem nada.
E esse vazio no seu peito
Não tem refrão pra dar jeito,
Não tem balé pra bailar.

Você não precisa de artistas?
Então nos perca de vista,
Nos deixe de fora
Desse seu mundo perverso,
Sem verso, sem graça, sem alma.

Intitulado como Vida em Branco, o texto de Duncan enfatiza como as produções artísticas estão presentes na vida das pessoas:

A compositora conta que o texto foi escrito no período das eleições presidenciais de 2018, e tinha sido elaborado, inicialmente, para uma revista eletrônica organizada por Gabriel Póvoas, filho da cantora Daniela Mercury.

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