Garcia Redondo
No fundo da chácara, numa
touceira de arbustos, um menino encontrou um ninho, onde três avezinhas mal
emplumadas dormiam.
Contente do seu achado e no
desejo inconsciente de se apoderar dele, o menino meteu o braço por entre a
trama dos galhos e das folhas e aproximou a mão cobiçosas dos pobres inocentes,
que logo ergueram para ele o biquinho guloso.
Nesse momento, o menino ouviu
pipilos angustiados e o sussurro de uma asa que lhe roçou pelo rosto. Depois
sentiu que essa asa lhe batia nos olhos e que um bico audaz lhe espicaçava o
rosto.
Tímido, receoso dessa inesperada
agressão, retirou o braço e olhou. Era um tico-tico, a mãe das avezinhas do
ninho, que defendia a prole, e continuou a atacar o menino, enquanto ele
permaneceu junto à touceira de arbustos.
Saindo dali, muito admirado da
audácia e da coragem dessa ave minúscula, o menino contou o caso à mãe:
E a mãe disse-lhe:
− Não há que estranhar, meu
filho; essa avezinha faz pelos filhos o que eu faria por ti. Que pensarias de
mim, se, um dia, um homem mau e forte entrasse nesta casa e procurasse
levar-te, sem que eu lhe embargasse o passo? Pensas que, nessas ocasiões terríveis,
as mães medem as suas forças? Nunca; o amor materno incute-lhes coragem e elas,
sem avaliar as consequências de seu ato, pensando apenas nos filhos, procuram
arrancá-los ao perigo iminente, saltando à frente do agressor e atacando-o.
Agora dize-me cá: Para que querias tu essas avezinhas mal emplumadas, que para
nada servem? Não pensaste na dor que causarias aos pais, privando-os desses
filhos amados? A ave, como os seres humanos, como todos os seres animados, tem
coração e tem alma. Ela sente como nós, sofre e chora como nós, como nós tem a
sensação do prazer. Alegre quando canta, triste quando pia, irritada ou
desesperada quando grita, ela manifesta pela voz e pelo gesto o seu estado d′alma.
Se a acaricias, tens nela uma amiga; se a maltratas, principalmente os seus
filhos, tens nela uma inimiga rancorosa que nunca te perdoará o agravo. Mas,
para que maltratar a ave, se ela é por natureza tão boa, tão meia e tão útil? A
maioria alegra-nos e delicia-nos com o seu canto. A maioria fornece-nos ovos deliciosos
que nos alimentam. Todas nos dão a pena que aformoseia a nossa toalete e que nos
aquece, quando convertida em edredons, travesseiros e colchões macios. Acresce
que a maioria é útil, porque livra os nossos campos e os nossos quintais das
larvas e insetos daninhos que devastam as plantações. Se elas não fossem boas e
úteis, os homens não assemelhariam os anjos às aves, dando-lhes asas, que são
o símbolo da pureza e da bondade. Não faças mal às aves, meu filho, nem
procures tolhê-las na sua liberdade, porque é em liberdade que elas devem viver
para nos serem verdadeiramente úteis.
O menino, atento e enternecido,
ouviu a mãe e, quando ela acabou de falar, apoderou-se de uma gaiola onde
estava um pintassilgo aprisionado, abriu a porta e deu-lhe a liberdade.
A mãe disse-lhe comovida:
−É assim que eu te amo, meu filho. Tens um bom coração.
E ele, contente, vendo o pintassilgo a voar, chilreando, exclamou:
− Nunca mais, mamãe, nunca mais destruirei ninhos, por quê...
− Porque os ninhos são berços, meu filho, acrescentou a mãe.
*****
(Do livro “Seleta em
Prosa e Verso”, Alfredo Clemente Pinto)
Fonte: Seleta em Prosa e Verso
dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto.
(1883) 59ª edição. Livraria Martins Livreiro – Editor Porto Alegre
Alfredo Clemente Pinto (Porto Alegre,
1854 − 1938) foi um educador,
escritor
e político
brasileiro.
Foi eleito deputado
estadual, à 21ª
Legislatura da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, de 1891 a 1895.
É autor de uma famosa obra didática,
utilizada por longos anos nas escolas gaúchas, intitulada Seleta em Prosa e
Verso.
Outra versão
O amor materno
Garcia Redondo*
Mãe e filho no
jardim, ilustração de John Rae, 1922.
No fundo da chácara, numa
touceira de arbustos, um menino encontrou um ninho, onde três avezinhas mal
emplumadas dormiam. Contente do seu achado e no desejo inconsciente de se
apoderar dele, o menino meteu o braço por entre a trama dos galhos e das folhas
e aproximou a mão cobiçosa dos pobres inocentes, que logo ergueram para ele o
biquinho e o sussurro duma asa que lhe roçou pelo rosto. Depois sentiu que essa
asa lhe batia nos olhos e que um bico audaz lhe espicaçava o rosto. Tímido,
receoso dessa inesperada agressão, retirou o braço e olhou. Era um tico-tico, a
mãe da avezinhas no ninho, que defendia a prole, e continuou a atacar o menino,
enquanto ele permaneceu junto à touceira de arbustos. Saindo dali, muito admirado
da audácia e da coragem dessa ave minúscula, o menino contou o caso à mãe. E a
mãe lhe disse:
− Não há que estranhar, meu filho: essa avezinha faz pelos
filhos o que eu faria por ti.
*Manuel Ferreira Garcia Redondo (Rio de Janeiro, 7 de
janeiro de 1854
− São Paulo, 6 de outubro de 1916) foi um engenheiro,
jornalista,
professor,
contista e teatrólogo
brasileiro, e
membro fundador da Academia Brasileira de Letras.
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