sexta-feira, 28 de abril de 2023

Conversa de botequim

 Noel Rosa e Vadico

Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa

uma boa média que não seja requentada,

um pão bem quente com manteiga à beça,

um guardanapo e um copo d’água bem gelada.

Feche a porta da direita com muito cuidado,

que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.

Vá perguntar ao seu freguês do lado

qual foi o resultado do futebol...

Se você ficar limpando a mesa,

não me levanto nem pago a despesa.

Vá pedir ao seu patrão

uma caneta, um tinteiro, um envelope e um cartão.

Não se esqueça de me dar palito

e um cigarro pra espantar mosquito.

Vá dizer ao charuteiro

que me empreste uma revista,

um cinzeiro e um isqueiro...

Telefone ao menos uma vez

para 34-4333

e ordene ao seu Osório

que me mande um guarda-chuva

aqui pro nosso escritório.

Seu garçom, me empreste algum dinheiro,

que eu deixei o meu com o bicheiro.

Vá dizer ao seu gerente

que pendure esta despesa

no cabide ali em frente... 

Não existe em nossa música popular crônica mais espirituosa sobre uma cena do cotidiano que a realizada por Noel Rosa em “Conversa de botequim”. Localizada em um café, ambiente que o autor conhecia como ninguém, a crônica tem como personagem principal um freguês desabusado que, ao preço de uma simples média com pão e manteiga, acha-se no direito de agir como se estivesse em sua casa. Assim, em ordens sucessivas, ele exige do garçom atendimento rápido e eficiente. 

Completa esta obra-prima uma melodia sincopada de Vadico (Oswaldo Gogliano), que se casa com a letra de forma primorosa, como se as duas tivessem sido feitas ao mesmo tempo, por uma mesma pessoa. 

(Do livro “A Canção no Tempo” Volume 1: 1901-1957, de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello) 

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