segunda-feira, 10 de abril de 2023

Prova de amor

 (À maneira dos... turcos)

Na ensolarada manhã de abril, a jovem vinha andando pelo campo, trazendo à cabeça a bilha d'água fresca recém-apanhada no córrego. Tentava aqui e ali proteger-se (sem deixar de andar) nesta e naquela sombra das árvores que margeavam a estrada gramada. Assobiava uma melodia entre triste e alegre. Eis senão quando, do alto da colina, num só galope, desce, com a fúria que se acende na raça; ao meio-dia, um Fauno, completo e acabado, no corpo, no espírito e na flautinha. Facetamente pôs-se a acompanhar a senhorita no passo e na melodia. Ela tentou não lhe dar atenção, fingiu ignorá-lo, parou de assobiar, pensou em outra coisa. O Fauno então disse, num tom de voz de ardor e sinceridade incomparáveis: “Tenho paixão por você. Amo-a como ninguém jamais amou ninguém. Não poderia viver sem você”. E a moça respondeu: “Não vejo por que alguém se apaixonaria por mim dessa maneira, eu sem graça e sem beleza, quando logo ali atrás vem minha irmã, que é a mulher mais linda e encantadora de Bathgarem”. O Fauno olhou e não viu vivalma: “Por que me engana dessa maneira?” − perguntou. “Não vejo ninguém.” “Bem” − respondeu a senhoritinha − “porque queria experimentar a sua sinceridade. Se você me amasse realmente não olharia pra trás.” 

Millôr Fernandes, em “Fábulas Fabulosas”

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