quarta-feira, 26 de abril de 2023

Recurso de um caipira paulista

 (Episódio da revolução de 1932)*

 Cornélio Pires

Perto de Ribeirópolis, um caboclo estava fazendo jacás no terreiro da choça, quando de supetão chegaram-se a ele quatro soldados gaúchos. O que se intitulava comandante perguntou: 

− É você o dono disto aqui?  

− Isso aqui é nosso, seu sordado!... 

− Nós estamos precisando daquele cavalo que está ali, ouviu? 

− Si sior! A quistão que o cavalo é dum tar Generá João Francisco*, que me pidiu pra trata dele oito dias. 

− E aquela vaca? 

− Aquela vaca?... Aquela tá cum peste de canudo!! Ota peste loca pá pega in gente, seu sordado!... Se mecê quisé, é só corrê o laço na tar! 

− E aquele porco? 

− I, seu sordado, porco sadio tá li!... Só tem um sinão; é loco pá comê defunto! É seu o bicho, pode pegá. 

− Onde estão as mulheres desta casa? 

− Tá tudo ocupada, si sior! 

− E aquela bonitona que apareceu lá na porta? 

− Aquela?... Chi!... aquela coitada véve muito aperreada; não é duença mortá mái a coitada não tem servidão pra mardita coisa! 

− O que é que ela sofre? 

− Ela tá c'oa mãe do corpo fora do lugá; decerto é perduzido por úa sarnage muito grande quela tem! 

− Só isso? 

− De doença é. Ela não tem sorte, seu sordado!... Fiz casá essa ermã e o marido tava quermano úa roça e o fogo cercô ele de tudo lado; o remédio que teve foi se apinxá no Reberão e resurtô disso úa trapêra danada!... Fico ca massa do sangue dermanchada! 

− Está bem: e esse cestos que você está fazendo, para que são eles? 

− Ói nhô sordado. Tenho úa quizila danada côs Polista mór deles num respeitá famia dos outros. Vancêis sim. Num mexe cum muié de ningué, e são bão nas cundição; por via disso, tô fazeno cesto pra judá carregá os caraminguá dos Gaúcho, mode nós acabá côs Polistas dúa veis. 

− Muito obrigado, camarada, e até a volta! 

− Inté corqué dia pra mecêis, se Deus quisé. 

Quando os gaúchos já estavam longe, ele ainda disse: 

− Lovado seja Deus nosso Sinhô Zuscristo que desta escapei! Agarra o mato, meu povo, enquanto o Sór tá fora! 

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(Do livro “Antologia de Humorismo e Sátira”,

de R. Magalhães Junior) 

* A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 foi um confronto armado entre forças majoritariamente paulistas contra os gaúchos do governo de Getúlio Vargas, que havia ascendido por meio da Revolução de 1930, marco fundador do Brasil moderno. Os gaúchos invadiram o interior de São Paulo, onde houve forte reação de militares e do povo paulista. 

* General João Francisco, gaúcho da fronteira um gênio da improvisação.

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