domingo, 9 de abril de 2023

Vozes dos animais

 Francisca Júlia

− O peru, em meio à bulha

De outras aves em concerto,

Como faz, de leque aberto?

− Grulha.  

− Como faz o pinto, em dia

De chuva, quando se interna

Debaixo da asa materna?

− Pia.  

− Enquanto alegre passeia

Girando em torno do ninho,

Como faz o passarinho?

− Gorjeia.  

− E de intervalo a intervalo

Quando a manhã se levanta,

No quintal que faz o galo?

− Canta.  

− Quando a galinha deseja

Chamar os pintos que aninha,

Como é que faz a galinha?

− Cacareja.  

− A rã, quando a noite baixa,

Que faz ela a toda hora

Dentre os limos em que mora?

− Coaxa.  

− E quando as narinas incha,

Cheio de gosto e regalo,

Como é que faz o cavalo?

− Relincha.*  

− Que faz o gato, que espia

Uma terrina de sopa

Que fumega sobre a copa?

− Mia.  

− Com a barriga farta e cheia

Que faz o burrinho quando

Se está na grama espojando?

− Orneia.  

− Dentre a espessura da silva,

Enquanto as roscas desdobra,

Zangada, que faz a cobra?

− Silva.  

− Para sinal de rebate,

Aviso, alarme ou socorro,

Como é que faz o cachorro?

− Late.  

− Para que as mágoas embale

Quando tresmalha, sozinha,

Que faz a branca ovelhinha?

− Bale.  

− Em fugir quando porfia

À garra e aos dentes do gato,

Como faz o pobre rato?

− Chia.  

− De pé, se a boca descerra

E alta levanta a cabeça,

Que faz a cabra travessa?

− Berra.  

− Cheia a boca de babuge

Do milho bom que rumina,

Que faz o boi na campina?

− Muge.  

− A pomba, que grãos debulha,

Como faz, batendo as asas

Sobre o telhado das casas?

− Arrulha.  

− A voz tremida do grilo

Que vive oculto na grama,

A trilar, como se chama?

− Trilo.  

Mas, escravos das paixões

Que os fazem bons ou ferozes,

Os homens têm suas vozes

Conforme as ocasiões.

Francisca Júlia da Silva Munster foi uma poetisa brasileira. Colaborou no Correio Paulistano e no Diário Popular, que lhe abriu as portas para trabalhar em O Álbum, de Artur Azevedo, e A Semana, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro. 

Nasceu a 31 Agosto 1871 em Xiririca, hoje chamada Eldorado, São Paulo, Brasil. Morreu em 1º Novembro de 1920 em São Paulo, capital. 

*No texto original rincha.  

Um comentário: