segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Carlinhos (Carlos) Niemeyer



 Aviador, produtor de cinema, esportista e boêmio.

(Crônica de Ruy Castro, do livro "Ela é Carioca")

Nascimento: 09/09/1920, Rua Silveira Martins, Catete, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil; Falecimento: 20/12/1999, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
  
Quando se diz que o carioca é alegre, pode-se estar cometendo uma injustiça - porque, se é assim, como classificar Carlinhos Niemeyer? Homem em permanente estado de Carnaval, ele já incendiou festas, coquetéis, arquibancadas, boates, praias, ruas e bairros inteiros do Rio. O Clube dos Cafajestes, o Caju-amigo, o Castelinho, o Flamengo, o Canal 100, tudo isso é Carlinhos Niemeyer. E, na qualidade de verdadeiro inventor do sorriso de orelha a orelha, ele nunca se arrependeu de ser feliz.

Nascer na rua Silveira Martins, a poucos metros do Palácio do Catete durante um Fla-Flu, apenas lhe facilitou as coisas: optou logo pelo Flamengo, e ser vizinho do centro do poder fez com que, desde cedo, aprendesse a não levar autoridade a sério. O Carnaval de sua infância eram as inocentes batalhas de confete e Carlinhos decidiu que, um dia, iria torná-lo menos inocente. Quando veio a Segunda Guerra, ele serviu na Força Aérea Brasileira (FAB). Um estágio como piloto de caça nos Estados Unidos permitiu-lhe ir a Hollywood e dar uma namoradinha em Carmem Miranda. De volta ao Rio, foi pilotar bombardeiros. Num vôo de patrulha da costa, sabendo que havia um submarino alemão na área, viu um corpo estranho lá embaixo e preparou-se para soltar uma tonelada de bombas. Teria sido um vexame porque, de repente, o submarino esguichou - era uma baleia.

Com o fim da guerra, em 1945, Carlinhos entrou para a viação civil, onde conheceu sua alma gêmea: Carlos Eduardo Oliveira*, o comandante Edu, também ex-FAB. Juntos, eles criaram o Clube dos Cafajestes, uma instituição de boemia carioca. Os Cafajestes eram um grupo de rapazes entre 25 e trinta anos, alegres, mulherengos, bons de copo, criativos e corajosos. Quase todos tinham curso superior, trabalhavam e falavam línguas (nada a ver com os marombeiros de hoje). Sua base de operações era Copacabana, mas suas estripulias cobriam a cidade. Andavam juntos o ano todo e, no carnaval, abafavam: suas festas a fantasia eram as mais disputadas da cidade, com bebida, orquestras e mulheres no superlativo. Brigas também, a maioria provocada por gente de fora - porque só quem não os conhecia ousava desafiá-los. Armados apenas com os punhos e um ou outro caco de garrafa, os cafajestes enfrentavam até o choque da Polícia Especial.

Deixados em sossego, limitar-se-iam a rir, beber e inaugurar as mais deslumbrantes garotas da sociedade, que eram loucas por eles. Inauguraram também a idéia de dar festas nas casas de Copacabana condenadas à demolição - no fim de cada festa, já não havia muito o que demolir. Em muitas daquelas mil e uma noites, os Cafajestes sentiram-se imortais. E, então, em 1950, Edu morreu num desastre com seu Constellation da Panair. Ele era o líder, o herói e, para Carlinhos, os Cafajestes acabaram ali. Em homenagem a Edu, Paulo Soledade e Fernando Lobo fizeram a marchinha "Zum-zum" ("está faltando um"), campeã do Carnaval de 1951, os Cafajestes deram uma festa para mil pessoas no antigo Cassino Atlântico, no posto 6. Depois, muitos boêmios, por serem amigos de um ou de outro da turma, começaram a dizer-se membros do clube (como o milionário paulista Baby Pignatari, que praticamente comprou seu ingresso no grupo).

O espírito dos Cafajestes continuou vivo nos bailes do Caju-amigo, regados à batida de caju, que Carlinhos passou a promover no Carnaval. Os primeiros foram na boate Vogue, no Leme, mas, em 1955, o Vogue pegou fogo e o Caju-amigo ficou itinerante. O traje oficial de Carlinhos para esses eventos era sua melindrosa rubro-negra ou a fantasia de "Dama de Preto", personagem da coluna de Ibrahim Sued. O Caju-amigo cresceu tanto que as boates já não o comportavam. Em 1964, Carlinhos promoveu um reveillon que começou às dez da manhã do dia 31 de dezembro no Castelinho - na praia mesmo, fechada por eles, e avançou pela noite. Foi uma grande esbórnia, com a orquestra a todo o pano e gente fantasiada rolando no escuro pela areia. Foi também a primeira vez que se fechou Ipanema para um evento.

Mas, muito antes, em termos de praia, ele já fizera a transição de Copacabana para o Arpoador. Morador do Flamengo nos anos 40, Carlinhos estava sempre na praia em Ipanema com os muitos jovens Antonio Carlos Jobim e Kabinha e Sinhozinho, ao lado de Paulo Amaral e Luiz "Ciranda", e à noite, na deserta e escura avenida Vieira Souto, usava seu Studebaker como cama de casal. Em 1954, ele e sua turma botaram meio Arpoador para correr, em defesa de Marta Rocha, que estava sendo ofendida por moleques por sua recente derrota no Concurso de Miss Universo.

Outra ideia de Carlinhos foi a volta do corso de automóveis no Carnaval. Ele e seus amigos alugavam fordecos e rabos-de-peixe conversíveis no subúrbio, enchiam-nos de grandes mulheres e desfilavam pela zona sul. O último corso, em 1969, saiu recolhendo gente por Ipanema e fez ponto final no Copacabana Palace, com a turba se atirando de roupa na piscina, inclusive os moleques do morro do Cantagalo, que haviam se juntado a ele. Mas, naquela época, o próprio Caju-amigo já estava ficando sem graça: os penetras eram tantos que havia quem chegasse a Carlinhos e perguntasse quem era ele. "De amigo, só restou o caju", ele disse.

Até no futebol Carlinhos conseguiu distribuir alegria. Em 1959, abandonou a aviação e criou o cinejornal Canal 100. Nos 28 anos seguintes, em qualquer cidade brasileira, não houve platéia que, ao ir ao cinema, não exclamasse "Ah!". - quase um orgasmo - ao ver surgir na tela o símbolo do Canal 100 e seu empolgante prefixo, "Na Cadência do Samba", de Luiz Bandeira. Era o futebol brasileiro no seu apogeu e filmado como ninguém mais sabia fazer.

O Canal 100 não se limitava às burocráticas tomadas de cima da marquise, a gols mais mostrados e a jogadores dando a saída no segundo tempo, como faziam os outros jornais. Era um festival de dribles em big close, gols no nível do gramado, goleiros desolados indo buscar a bola no fundo da rede, artilheiros dando socos no ar e geniais caratonhas de torcedores banguelas na geral - muitas vezes em câmera lenta e registrado por seis ou oito câmeras nos grandes jogos (quase sempre os do Flamengo ou da Seleção). O narrador era Cid Moreira. A criatividade do Canal 100 mudou a maneira de filmar o futebol no mundo inteiro e antecipou em muitos anos as bossas de que hoje se orgulha a televisão. Com a diferença de que, no começo do Canal 100, eram feitas com filme de cinema, muito mais difícil de operar, não com videoteipe. As quase 2 mil partidas cobertas pelo Canal 100 constituem um acervo (muito bem guardado no depósito do Cinejornal, em Ipanema) fundamental do futebol brasileiro.

Não há expressão melhor para definir Carlinhos Niemeyer do que o verso daquele mesmo samba: "Que bonito é".

*Eduardo Henrique Martins de Oliveira

FRASES:

Quem nasce no Rio já está com meio carnaval andado. 

Se Frank Sinatra veio para o Brasil, tudo é possível. 

Fora do Sério, quero é muito calção de banho.

(Sobre o Clube dos Cafajestes):

ß

Éramos quadrados e machões, mas éramos felizes. Ríamos até de gol contra.


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