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Sou gêmea da mão direita,
O mesmo ar nos circunda:
Mas ela alçou-se a morgada
E eu fiquei filha segunda.
Nascemos no mesmo leito,
Na mesma noite estrelada,
Porém, sendo eu irmã sua.
Ela é ama e eu sou criada.
Eu sou bem criada dela,
Que me está sempre a chamar
Se os sapatos calçar deseja,
Se os botões quer os fechar.
Ela é fidalga; eu, plebeia,
Assim o quis nossa estrela:
Coisas mesquinhas são minhas
E as coisas belas são dela.
Ela abençoa e agradece,
Leva à boca a sopa quente,
Dá a esmola, colhe a palma
E corta a flor rescendente.
E ela que no Parnaso
Acorda a lira com o pletro,
Que no combate alça a espada
E no trono empunha o cetro.
Sobre os Santos Evangelhos
E ela sempre quem jura.
E ante o altar no casamento,
Quem se mostra e faz figura.
Faz ela o sinal da cruz,
Do dia ao principal e ao cabo,
E a mim manda-me fazer
Figas às bruxas e ao diabo!
Ela sempre em fainas nobres
E eu sempre em descansos
cruéis...
Só num ponto a venço e humilho:
Anda nua e eu trago anéis!
Mas na cova acabarão
Tantas diferenças da vida:
Eu comida pelos vermes,
E ela pelos vermes comida.
Eugenio de Castro
(Do livro Canções desta negra vida)
Eugenio de Castro e Almeida
(1869-1944) nasceu e faleceu em
Coimbra. Foi diretor da revista Arte entre 1895 e 1896, onde
colaboraram, entre outros, Verlaine e Mallarmé. É considerado o introdutor do
Simbolismo em Portugal.
A obra de Eugenio de Castro pode
ser dividida em duas fases: na primeira, a fase simbolista, que corresponde a
sua produção poética até o fim do século XIX, Eugenio de Castro apresenta algumas características da
Escola Simbolista, como o uso de rimas novas e raras, novas métricas, sinestesias, aliterações e vocabulário mais
rico e musical.
Na segunda fase ou neoclássica,
que corresponde aos poemas escritos já no século XX, vemos um poeta voltado à Antiguidade
Clássica e ao passado português, revelando um certo saudosismo, característico
das primeiras décadas do século XX em Portugal.
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