“Precisamos nos preparar para a falta d’água e não
adianta rezar”
10 perguntas para Seth M. Siegel, ativista e escritor
Estamos diante de um risco
global. A falta d’água é um problema que afeta todas as regiões do planeta e
pode, inclusive, gerar conflitos entre nações. Mas, se nos planejarmos
direitinho, tudo vai ficar bem. Essa é a opinião de Seth M. Siegel, ativista e
escritor americano, autor do livro “Faça-se a Água”, lançado recentemente no
Brasil pela editora Educ, que pertence à PUC de São Paulo. “Podemos, sim,
encarar um apocalipse”, diz Siegel. “Mas, também é possível nos tornarmos mais
espertos.” O maior exemplo, diz o escritor, é Israel. O país está localizado na
região mais seca do mundo e, mesmo assim, não tem problemas com água e produz
todos os vegetais que consome. Confira a entrevista:
P.: O mau uso da água é um problema global e, há muito tempo, se
fala que a falta dela pode levar ao apocalipse. Sua visão é um pouco mais
otimista, sem, no entanto, diminuir o tamanho do problema. Por quê?
R.: Muitas pessoas que leem meu livro esperam deparar apenas com coisas ruins. Mas a realidade é que, se planejarmos corretamente, tudo vai ficar bem. Agora, quero deixar uma coisa muito clara, podemos, sim, encarar um apocalipse. Mas também é possível nos tornarmos mais espertos, como Israel, e evitarmos o fim do mundo.
P.: Em seu livro, o senhor aborda, também, a questão geopolítica da
água. Haverá conflitos, no futuro, relacionados a esse recurso?
R.: É possível. Mas o oposto disso também é. Se a água for utilizada como uma forma de engajamento, ela pode ser, inclusive, um motivo para a resolução de conflitos. É o que Israel tem feito.
P.: Podemos ter guerras relacionadas à água?
R.: Claro que
sim. Mas meu palpite é que não teremos.
P.: Agora, e se os governos falharem, as empresas podem liderar
esse movimento para utilizar melhor os recursos hídricos?
R.: As empresas, sozinhas, não vão
liderar. Existem muitos componentes na sociedade: governo, universidades,
corporações, organizações não governamentais, etc. Cada um deles tem um papel
para o futuro. Trata-se de um esforço coordenado.
P.: Quais tecnologias podem ser utilizadas nesse processo de
melhorar o uso dos recursos hídricos? Elas são acessíveis a países em
desenvolvimento?
R.: Primeiramente, a agricultura absorve a maior parte da água. Então, mude para um sistema de irrigação por gotejamento. Em segundo lugar, é preciso considerar que a população produz um grande volume de esgoto. Mas isso é previsível. Todo mundo faz praticamente a mesma quantidade de xixi e dá o mesmo número de descargas por dia. Então, é possível saber exatamente a quantidade de água que vai pelo ralo, que pode ser tratada em alto nível e reutilizada para agricultura. Em terceiro lugar, nas regiões costeiras, é viável dessalinizar a água. Por último, se você conserta seus vazamentos, economiza uma quantidade enorme de água. Israel, como a maioria dos países, perdia cerca de um terço da sua água dessa maneira. Hoje, a taxa de perda está em 9% e a meta é chegar a 5%.
P.: O Brasil tem mais de 10% de toda a água potável do mundo. Mesmo
assim, sofremos com a escassez e com o racionamento. O que o País está fazendo
errado?
R.: Sim, é verdade que o Brasil tem a maior reserva de água do
mundo, na Amazônia. Mas, o problema é que a água, muitas vezes, não está
localizada onde as pessoas estão. Usar as condições climáticas como desculpa,
por outro lado, é inaceitável. O motivo pelo qual escrevi o livro é por
estarmos diante de um risco global. Precisamos nos preparar para a falta d’água
e não adianta rezar. É preciso mudar a agricultura, construir a infraestrutura
para o reuso da água, desenvolver usinas de dessalinização e usar a tecnologia
para evitar vazamentos nas tubulações. Se você fizer tudo isso, é impossível
ficar sem água, a menos que aconteça uma catástrofe.
P.: Rezar para chover é o que nossos ancestrais faziam. Não parece
uma boa ideia nos dias de hoje…
R.: Não tenho nada contra rezar. Mas
se você fizer apenas isso, e nada mais, irá se decepcionar.
P.: No Brasil, as
perdas por vazamento giram em torno de 40% a 50%.
R.: Exato. Pense a respeito. Se, há cinco anos, a decisão de consertar os encanamentos tivesse sido tomada, hoje o País teria mais água do que conseguiria usar. Nesse nível de eficiência, basicamente, você está usando dois anos de estoque para dar conta de um.
P.: Uma petroleira que perde 40% da sua produção em vazamentos é
uma empresa inviável. Por que se permite esse nível de ineficiência na
distribuição de água?
R.: A diferença é que pagamos pelo petróleo. Quando colocamos gasolina no carro, queremos pagar US$ 1 por litro, e não US$
P.: Durante a recente crise hídrica enfrentada pelo Sudeste
brasileiro, muitas pessoas passaram a economizar e a reutilizar a água. Mas,
com a volta das chuvas e os reservatórios cheios, a preocupação arrefeceu…
R.: Sim e, por sinal, eu garanto uma coisa: vai faltar água de novo. Haverá outra seca e, se o Brasil não usar esse tempo para se preparar, será ainda pior.
P.: Em relação a
Israel, a água também se tornou um negócio que traz lucros?
R.: É um mercado multibilionário. É um bom negócio por duas razões: primeiramente, Israel exporta suas tecnologias para vários países. Em segundo lugar, nenhum empresário israelense precisa se preocupar com a falta d’água, que é um risco para a maioria das empresas.
(Matéria da Revista
IstoÉ Dinheiro, setembro de 2017)
Nenhum comentário:
Postar um comentário