terça-feira, 23 de julho de 2019

A primeira casa tricolor

Por Caue Fonseca*


Explicações da esquerda para a direita, no alto e abaixo: 

1) Em 1912, o Grêmio inaugurou um pavilhão para torcedores, que ficou conhecido como “pombal”. Décadas depois, a estrutura seria trocada por um zagueiro do Força e Luz: Airton Ferreira da Silva.

2) O chamado Fortim da Baixada ficava no final da lomba da Mostardeiro, então um dos limites da cidade, que se expandira até a Independência, metros acima.

3) Diferentemente do rival, rodeado de eucaliptos, o campo do Grêmio era cercado por plátanos.

4) As goleiras do football demoraram para contar com redes. Um auxiliar ficava de olho se a bola havia entrado ou não em caso de dúvidas.


Estádio da Baixada: 1904 − 1954 − ao fundo, o “Pombal”.

*Em reportagem no jornal Zero Hora, julho de 2019.

Porto Alegre se expandira como um leque a partir do Centro Histórico, junto ao Guaíba. Da Duque de Caxias em direção à Independência, a Capital vinha recebendo novas residências. Todavia, em 1904, a cidade ainda terminava onde a lomba da Mostardeiro começava.

A partir dali, no seu limite urbano, havia o que o escritor Eduardo Bueno chama de “zona de recreio”, uma periferia chique composta de atrações como o Prado da Independência, onde ocorriam páreos dominicais de corridas de cavalo, clube de atiradores Tiro Alemão e o Mato Mostardeiro, onde famílias faziam piqueniques sob as árvores.

Na baixada, onde os porto-alegrenses viam uma área de lazer, o major Augusto Kock, presidente do Grêmio, viu um potencial caldeirão. Conseguiu um empréstimo junto a um banco alemão e adquiriu parte do terreno. Após a terraplenagem, sócios fundadores do Grêmio plantaram plátanos em torno do campo batizado com seu nome e inauguraram o Fortim da Baixada, no coração do bairro Moinhos de Vento, vizinho à área que hoje é o Parcão.

− É legal observar que o Grêmio nasce em um lugar plural. Dona Laura Mostardeiro era uma baiana que realizava os primeiros saraus da cidade. Na esquina da Mostardeiro com a hoje Florêncio Ygartua, morava Pedro Weingärtner, maior pintor gaúcho. No time, jogaram os Mostardeiro, que eram bugres − conta Bueno.

Não demorou para o Grêmio rentabilizar o espaço. Em 1911, Koch convenceu cem associados a adquirirem títulos e construiu o “pombal”, um pavilhão de madeira com capacidade para 500 torcedores assistirem aos jogos com mais conforto. O espaço foi inaugurado em 1912 e ampliado seis anos depois, passando a ser sede do clube.

Em 1909, quando recebeu o arquirrival pela primeira vez, reza a lenda que o Grêmio não sabia exatamente qual era a força do adversário, clube novo na cidade. Após um início cauteloso, terminou o primeiro tempo vencendo “apenas” por 2 a 0. No segundo tempo, o Grêmio se impôs e o Inter recebeu os outros oito gols do até hoje icônico 10 a 0. A primeira vitória colorada assistida pela Baixada viria seis anos depois, por surpreendente 4 a 1 após um hiato de mais de dois anos sem Gre-Nal.

Pavilhões

Nos exatos 50 anos (1904 a 1954) em que o Grêmio jogou na Baixada, talvez o mais significativo dos títulos tenha sido o Campeonato Farroupilha de 1935, torneio comemorativo ao aniversário da Revolução. Jogando pelo empate, o Inter estava tão confiante que seus torcedores tomavam 60% do estádio − um deles levou 11 cachorros pintados de vermelho para soltar no gramado ao final do jogo.

Os planos pararam nos braços do lendário goleiro Lara e do atacante Foguinho, que planejou meticulosamente um gol de voleio estudando as rebatidas de cabeça da zaga. Foguinho também daria o passe para o segundo gol, que selou o placar em 2 a 0. O foguetório do título assustou os 11 cães, que acabaram atacando o próprio dono.

Após a mudança para o Olímpico, em 1954, os pavilhões da Baixada seguiram no folclore futebolístico porto-alegrense: foram dados ao Força e Luz em troca do zagueiro Airton, que virou Airton Pavilhão.

Os estádios do Grêmio

Fortim da baixada: de agosto de 1904 a setembro de 1954;
Olímpico*: de setembro de 1954 a fevereiro de 2013;
Arena: desde dezembro de 2012.

*Olímpico teve uma grande reforma de ampliação em 1980. Mesmo depois da Arena inaugurada, o estádio recebeu três jogos pelo Gauchão de 2013.

Fontes da reportagem:

Célia Ferraz de Souza (UFRGS),
Heinrich Hasenak (UFRGS),
Ariel Engster (Museu do Inter),
Sandro Pasinato (Museu do Grêmio).
Eduardo Bueno, Kenny Braga e A História dos Gre-Nais (L&PM, 2009)

O Grêmio e o Moinhos de Vento

No Moinhos de Vento, os alemães instalaram duas de suas especialidades, as sociedades recreativas e esportivas. Em 1903, homens de ascendência germânica haviam fundado o Grêmio Football Porto-Alegrense no Centro da cidade. No ano seguinte, eles tomaram um empréstimo no Banco Alemão e compraram um terreno de aproximadamente três hectares no “Bosque do Moinhos de Vento”. A área estava situada no sopé da íngreme ladeira que levava o nome da família do antigo proprietário, Hemetério Mostardeiro. No local, foi construído o primeiro campo do Grêmio. Posteriormente denominado de Estádio da Baixada, ele foi inaugurado com a presença do Intendente José Montaury. Como o interesse pelo futebol ainda era escasso, havia, inicialmente, apenas um pequeno coreto para as pessoas assistirem aos jogos.

A crescente afluência de público, porém, fez com que o Grêmio comprasse mais uma quadra da família Mostardeiro − situada em frente à rua Dona Laura e ao campo − construísse um pavilhão para acomodar os assistentes. Essa estrutura de madeira de belíssima composição estilística* foi ampliada (1918) para abrigar a sede social do clube (salão nobre, escritório e uma cancha de bolão). Foi em volta desse pavilhão, chamado de “Pombal”, que surgiram as arquibancadas do estádio, comportando cerca de quatro mil pessoas. O endereço oficial do Grêmio era Rua Mostardeiro, 59. Mais tarde, o povoamento da rua faria com que o número passasse a 660. O Grêmio sairia dali em 1953. Num canteiro da atual Avenida Goethe, há uma estrutura de concreto medindo cerca 1,3 metros, marcando o local do antigo estádio.

Do livro 
“Moinhos de Vento Histórias de um Bairro de Porto Alegre”.,
de Carlos Augusto Bissón, Editora da Cidade.

* Em 1954, um jovem zagueiro do Força e Luz, time modesto de Porto Alegre, foi vendido por 50 mil cruzeiros e mais um pavilhão de arquibancadas da Baixada: Airton Ferreira da Silva (31.10.1934−03.04.2012), que, por esse fato, receberia o apelido de “Airton Pavilhão”. Eu, dos 9 aos treze anos, ia de graça ao estádio do Força e Luz, na rua Alcides Cruz, no começo de Petrópolis, e brincava no pavilhão, foto colorida acima, onde, na parte debaixo e interna do pavilhão, os sócios do Força e Luz jogavam boliche.

P.S. O terreno do estádio do Força e Luz foi comprado pela Cia Zaffari de Supermercados.

Nilo da Silva Moraes



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