O resto é detalhe...
Por Ruth Manus
Ao longo da vida, talvez por
arrogância, talvez por pressão social, começamos a elencar dezenas de
características ideais que esperamos encontrar num potencial parceiro. Precisa
ser alto. Mas não pode ter mais de 1,85m. Pode ser grisalho, mas não pode ser
careca. Gosto de narizes com personalidade. Precisa ter no máximo 5 anos a mais
que eu e até 2 a
menos. É bom ter um trabalho estável e ser motivado. Também era importante que
não morasse muito longe de mim. Deve gostar de viajar, de comer comida japonesa
e de ler biografias.
De fato, esse período de trevas que o
Brasil vem atravessando é ruim em muitíssimos aspectos. Mas não dá para negar
que há um lado interessante: começamos a valorizar as pessoas que nos cercam
por razões sobre as quais nunca havíamos refletido. Nunca ouvi nenhuma amiga
minha dizer que seu parceiro (ou sua parceira) ideal deveria ser a favor da
democracia e não deveria defender a tortura. Sei lá, a gente achava que isso já
vinha incluído no pacote básico, não é mesmo?
Mas no meio dessa loucura toda, como
diria Jout Jout, parece que pré-requisito virou diferencial. E coisas que
sempre nos passaram batidas, passaram a merecer uma atenção − quiçá até uma
gratidão especial. Olhar para nossos parceiros e lembrar que são pessoas que se
opõem à violência e à truculência, passou a ser um alívio imenso, quase um
oásis no meio do caos.
Por isso, se eu pudesse, hoje, dar
um conselho aos mais jovens − e a qualquer outro solteiro que esteja
sassaricando por aí, ele seria: apaixone-se por alguém que defenda os direitos
humanos. Alguém que compre briga pelas minorias às quais ele nem pertence. Uma
pessoa que berre que tá todo mundo doido, que violência não se resolve com
violência. Alguém que não tenha medo de se posicionar.
No fundo, a gente percebe o quão
pouco importa a aparência física, a estabilidade do emprego, o endereço. De que
adianta um belo par de olhos verdes, se eles não enxergam tudo o que está
acontecendo? De que interessa um currículo fantástico se toda a formação e a
experiência não serviram para ter análise crítica? De que interessa um peitoral
definido se dentro dele não tem empatia e solidariedade? De que adianta uma
bela casa se dentro dela não se ouvem diálogos em defesa da democracia?
A verdade é que são tempos para a
gente repensar muita coisa. Nossas prioridades, companhias, discursos e
batalhas. Mas também é tempo de ser grato por cada dose de lucidez com a qual
esbarramos nos nossos dias. Tempo de criar novos laços, frutos de uma
identidade tão básica como a luta contra o retrocesso social.
Jovens, apaixonem-se por alguém que
defenda os direitos humanos. E que se preocupe com os gays mesmo sem ser gay. E
que defenda os índios sem precisar sem índio. E que tome as dores dos negros
como suas, mesmo se for branco. E que lute pelos direitos das mulheres. E que
defenda o Estado laico ao mesmo tempo em que respeita a diversidade religiosa.
E acolha os imigrantes. E que busque compreender os anseios das pessoas com
deficiência. Vai por mim. Corpo bonito, dinheiro sobrando, vários diplomas,
alta performance nos esportes. Nada disso pode ser mais delicioso do que chegar
em casa e encontrar uma pessoa realmente legal deitadona no sofá.
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