sexta-feira, 12 de julho de 2019

Cego Aderaldo


Meu benzinho, diga, diga,
Por caridade confesse,
Se você já encontrou
Quem tanto bem lhe quisesse.

Meu bem, que mudança é esta
Neste teu rosto adorado?
Acabou-se aquele agrado
Com que me fazia festa?

Eu juro que nunca quis
Ofender teu peito nobre.
Fala, meu anjo, descobre
Diga, meu bem, que te fiz?

Todo passarinho canta
Quando vem rompendo a aurora;
Só a pobre mãe-da-lua
Quando canta – logo chora…
Assim eu faço também
Quando meu bem vai se embora!

Fiz um A para te amar
Um B pra bem te querer
Um N pra não deixar-te
Um S só se eu morrer.

Canta, canta, passarinho.
Faça lá seu ninho agora,
Mas depois não vá dizer
Que quem canta também chora.

Amo, amo, porque quero.
Adeus, minhas encomenda!
O homem, quando é vadio.
Morre velho e não se emenda.

O amor é como o sono
Que não dispensa ninguém.
Eu só comparo é com a Morte:
Ninguém sabe quando vem!

Aquela ingrata cruel
Vejam que pago me deu!
Ninguém nem me fale nela
Que pra mim já morreu…

Meu bem, cabocla bonita,
Bola de ouro polida.
Por ti eu perco o que eu tenho.
Até mesmo a própria vida.

Minha viola de pinho
Feita de pinheiro macho.
Esta viola me pede
Que eu, ao menos, chore baixo…

A unha nasce do dedo,
O dedo nasce da mão,
Mas a mão nasce do braço
E o braço nasce do vão.

A pedra nasce do fogo,
O fogo nasce do chão,
O amor nasce de dentro
Do intriôr do coração.

Quando de ti me apartei,
Os astros se demudaram,
O vento não ventou mais,
As águas todas secaram.

Quem parte – gosto não tem.
Quem fica – como terá?
Quem parte – põe-se a chorar.
Quem fica – chora também.

Adeus te digo, afinal,
Adeus te digo, chorando.
Adeus te torno a dizer.
Adeus! Até não sei quando!



Aderaldo Ferreira de Araújo (Crato, 24 de junho de 1878Fortaleza, 29 de junho de 1967), mais conhecido como “Cego Aderaldo” foi um poeta popular cearense que se destacou por seu raciocínio rápido improvisando rimas e repentes.

O cego Aderaldo descobriu o dom da rima em Quixadá, pouco depois de perder a visão em um acidente. Segundo o próprio, a descoberta ocorreu quando teve um sonho em versos. Quando sua mãe faleceu, cego Aderaldo decidiu viajar pelo sertão nordestino fazendo suas rimas.

Certa vez, em uma palestra, Leonardo Mota leu para o cego Aderaldo umas estrofes em que Luís Dantas Quesado falava de coisas difíceis de serem vistas. Imediatamente, o cego repentista improvisou estas sextilhas:

Só nos falta vê agora
Dá carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criá bigode,
Tarrafa feita sem linha.

Muito breve há de se vê
Pisá-se vento em pilão,
Botá freio em caranguejo,
Fazê de gelo carvão,
Carregá água em balaio,
Burro subi em balão.

 (Leonardo Mota em . Cantadores)


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