quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O enigma dos gatos

Um homem tinha dois gatos. Um deles, pelo menos, era macho. Qual a probabilidade de que os dois fossem machos?

Fosse simples, o problema não estaria em uma coletânea de enigmas. A charada pertence ao livro O enigma de Sherazade, do norte-americano Raymond Smullyan.

Para as respostas arregimentaram-se três exércitos. O primeiro apontou a resposta de “um terço”. O segundo insistiu: a chance seria de 75%. O terceiro disse que a chance dos dois serem machos é a mesma do segundo bichano ser varão, ou seja, de 50%.

Mas pode ser que todas as respostas podem estar certas, pois a resposta vai depender de com o as pessoas entendem a pergunta. O rico é que cada um interpreta ao seu jeito e os três estão certos. Cada um transforma ao seu modo o enunciado coloquial em uma equação matemática.

Primeira resposta: Um terço

1. Há quatro combinações possíveis de sexo para os dois gatos:

a)  Um macho e uma fêmea

b)  Dois machos

c)   Uma fêmea e um macho

d)  Duas fêmeas

2. A chance de duas fêmeas está descartada, pois sabemos que um dos gatos é macho.

3. Sobram três opções. Como apenas uma delas interessa, as chances são de uma em três.

Segunda resposta: 50%

Se um dos gatos é macho, não entra no cálculo.

Existem duas possibilidades para o segundo gato: ser macho ou ser fêmea. Portanto, a chance de ser macho é de uma em duas (50%).

Terceira resposta: 75%

O enunciado define que pelo menos um é macho. Isso já assegura 50% de chance de os dois virem a ser machos.

A chance de o segundo bichano ser macho é metade dos 50% restantes, o que representa 25%. Resultado 50% + 25% = 75%

Quarta resposta: 100%

Para uma minoria bem-humorada, a resposta está na primeira frase da charada. Um homem tinha dois gatos...

O importante não é acertar, é pensar. 

Discutir a solução de um enigma pode ajudar a construir a paz no mundo?

Na opinião da especialista em psicologia genética Léa Fagundes, sim. Com 60 anos* de magistério, a professora da UFRGS não esconde a satisfação com o debate em torno do enigma de Sherazade.

− Quando vi a discussão no jornal, eu disse: barbaridade, isso está maravilhoso!

Para Léa, mais importante do que a resposta é confronto de ideias. A troca de experiências e a descoberta de outras formas de raciocínio ajudariam a formar uma sociedade mais tolerante.

(...)

− Os professores deveriam analisar todos os raciocínios utilizados, e não privilegiar a forma única de resolver um problema. A ciência passa por um processo de relativização − argumenta.

Um sintoma disso estaria na Medicina. Segundo Léa, em vez de garantir que certo remédio representa a cura de uma doença, os cientistas têm afirmado que o medicamento tem determinada chance de funcionar, sob certas circunstâncias.

(...)

*60 anos na época da reportagem

De uma reportagem de Rodrigo Cavalheiro, para o jornal Zero Hora, janeiro de 2006.


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