quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Poemas de Hermes Fontes

 1888-1930 

pouco acima daquela alvíssima coluna [A taça ]

Pouco acima daquela alvíssima coluna

que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal

que, vendo-a, ou vendo-a, sem na realidade, a ver,

de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna

de beijos − uns, sutis, em diáfano cristal,

lapidados na oficina do meu Ser;

outros − hóstias ideais dos meus anseios,

e todos cheios, todos cheios

do meu infinito amor...

Taça

que encerra

por

suma graça

tudo que a terra

de bom

produz!

Boca!

o dom

possuis

de pores

louca

a minha boca!

Taça

de astros e flores,

na qual

esvoaça

meu ideal!

Taça cuja embriaguez

na via-láctea do Sonho ao céu conduz!

Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês

o teu delírio... a tua chama... a tua luz... 

De Apoteoses [1908]

Um poema em forma de taça. Um precursor, sem dúvida, do caligrama (caligramme) entre nós, antes de Apollinaire. É certo que o autor não “desenhou” com letras a taça, como fariam os caligramistas, nem teve recursos gráficos para dar contornos mais definidos à figura, o que hoje seria possível fazer com qualquer programa de edição... Mas fica aqui o registro. Resta apenas determinar a data exata da publicação do poema acima para definir melhor a dimensão de seu pioneirismo. 

A.M. (Antonio Miranda)

A pulga

 

Um sinalzinho preto em teu colo de neve:
Examino se é próprio, ou fingido a nanquim…
Mas o pontinho escuro anima-se; e, ágil, breve,
Salta aqui, salta ali e vem pousar em mim.
 

Sinto-o no corpo: o inseto, a mais e mais se atreve.
Põe-me um ardor de urtiga em cada poro, e, assim,
Fervo e salto, eu também… Ao seu contacto, leve,
A epiderme é um incêndio, o sangue é um torvelim.
 

É uma pulga! Tirou-me o bom humor e o agrado!
– Serena perfeição em que a gente se julga,
Morre num sopro: é grão de pó, miga qualquer…
 

Quanto orgulho se tem despido e desmanchado,
Por um nada, um nadinha, uma pulga!? É que a pulga
Em astúcia é igual à raposa e à mulher…
 

A formiga 

E dizer-se que não tens nervos, ó nervosa,
ó vibrátil, sutil, minúscula formiga!
Dizer que não tens alma! E haverá quem o diga,
se o teu exemplo toda gente o imita e glosa?!
 

Tão pequenina és tu, e, astuta e laboriosa,
arrastas uma folha − e a arrastada te abriga…
E o requinte que pões em roer o grão da espiga?
E a perícia em bordar as pétalas da rosa?
 

Passas, eu me pergunto onde o melhor motivo:
se − Atlas −erguer nas mãos e nos ombros a Esfera,
se − formiga − arrastar um ramo nutritivo;
 

Ou − sonhador que a própria angústia retempera −
dia e noite viver, qual dia e noite vivo,
ao peso imaterial de uma triste quimera…

Hermes Floro Bartolomeu Martins de Araújo Fontes (Buquim, Sergipe, 28 de agosto de 1888 – Rio de Janeiro, a 25 de dezembro de 1930) foi um compositor e poeta brasileiro.

2 comentários:

  1. Um brilhante sergipano,filho de Boquim esquecido pelos seus conterrâneos. Hoje apenas uma avenida em seu nome na capital sergipana. Sou sobrinha neta desse grande poeta.

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  2. Parabéns pelo brilhante tio que orgulha tanto o povo sergipano e os todos os brasileiros em geral.

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