1888-1930
pouco acima daquela alvíssima coluna [A taça ]
Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou vendo-a, sem na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos − uns, sutis, em diáfano cristal,
lapidados na oficina do meu Ser;
outros − hóstias ideais dos meus anseios,
e todos cheios, todos cheios
do meu infinito amor...
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca!
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via-láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...
De Apoteoses [1908]
Um poema em forma de taça. Um precursor, sem dúvida, do caligrama (caligramme) entre nós, antes de Apollinaire. É certo que o autor não “desenhou” com letras a taça, como fariam os caligramistas, nem teve recursos gráficos para dar contornos mais definidos à figura, o que hoje seria possível fazer com qualquer programa de edição... Mas fica aqui o registro. Resta apenas determinar a data exata da publicação do poema acima para definir melhor a dimensão de seu pioneirismo.
A.M. (Antonio Miranda)
A pulga
Um
sinalzinho preto em teu colo de neve:
Examino se é próprio, ou fingido a nanquim…
Mas o pontinho escuro anima-se; e, ágil, breve,
Salta aqui, salta ali e vem pousar em mim.
Sinto-o
no corpo: o inseto, a mais e mais se atreve.
Põe-me um ardor de urtiga em cada poro, e, assim,
Fervo e salto, eu também… Ao seu contacto, leve,
A epiderme é um incêndio, o sangue é um torvelim.
É
uma pulga! Tirou-me o bom humor e o agrado!
– Serena perfeição em que a gente se julga,
Morre num sopro: é grão de pó, miga qualquer…
Quanto
orgulho se tem despido e desmanchado,
Por um nada, um nadinha, uma pulga!? É que a pulga
Em astúcia é igual à raposa e à mulher…
A formiga
E
dizer-se que não tens nervos, ó nervosa,
ó vibrátil, sutil, minúscula formiga!
Dizer que não tens alma! E haverá quem o diga,
se o teu exemplo toda gente o imita e glosa?!
Tão
pequenina és tu, e, astuta e laboriosa,
arrastas uma folha − e a arrastada te abriga…
E o requinte que pões em roer o grão da espiga?
E a perícia em bordar as pétalas da rosa?
Passas,
eu me pergunto onde o melhor motivo:
se − Atlas −erguer nas mãos e nos ombros a Esfera,
se − formiga − arrastar um ramo nutritivo;
Ou
− sonhador que a própria angústia retempera −
dia e noite viver, qual dia e noite vivo,
ao peso imaterial de uma triste quimera…
Hermes Floro Bartolomeu Martins de Araújo Fontes (Buquim, Sergipe, 28 de agosto de 1888 – Rio de Janeiro, a 25 de dezembro de 1930) foi um compositor e poeta brasileiro.
Um brilhante sergipano,filho de Boquim esquecido pelos seus conterrâneos. Hoje apenas uma avenida em seu nome na capital sergipana. Sou sobrinha neta desse grande poeta.
ResponderExcluirParabéns pelo brilhante tio que orgulha tanto o povo sergipano e os todos os brasileiros em geral.
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