quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Biu Doido

Biu* Doido era o doido oficial de São José do Egito. O grande sonho de Biu Doido era ter um relógio. Terminou conseguindo um, velho e quebrado. Era, mais, uma casca de relógio, do que um relógio mesmo. Os desocupados da rua divertiam-se perguntando-lhe as horas e ouvindo, em troca da pergunta, uma enfiada de desaforos e pornografias. 

Um dia, chegou um delegado novo em São José. Fardado de tenente, foi aconselhado a perguntar as horas a Biu Doido. Perguntou. Biu Doido olhou-o de cima a baixo e, vendo-o fardado, conteve-se a custo e disse: 

− Eu só não lhe dou uma resposta, porque sei que o senhor é novato, aqui. Todo mundo, em São José do Egito, sabe que meu relógio não trabalha. 

− Não trabalha?—espantou-se o tenente. E comentou: 

− Então, não adianta! 

Biu Doido, sereno, apresentou a contrapartida vantajosa do seu relógio: 

− Não adianta, mas também não atrasa! 

Ariano Suassuna em:

“A Pensão de Dona Berta e Outras Histórias para Jovens” 

E quem é Biu Doido?

Um andarilho das ruas de São José do Egito, Severino Cassiano, conhecido de todos por Biu Doido e que na verdade não era sempre doido, tinha seus momentos de plena lucidez e era nesses momentos que Biu se revelava com suas respostas inesperadas e que jamais alguém imaginaria que pudesse sair de sua boca. O poeta popular de São José do Egito, Arlindo Lopes, transformou algumas destas respostas geniais de Biu doido em poesia: 

Certa vez Biu se apresentou,

Surpreendendo os demais.

Usando duas gravatas,

Uma na frente e outra atrás,

E dizendo achar pouco,

Que se ele fosse louco,

Usaria outras mais. 

Egito de Zé Clementino,

Já foi falando sorrindo:

Biu usou duas gravatas

Pensando ficar mais lindo.

Egito vou lhe dizer:

Fiz isso pra ninguém saber

Se tô chegando ou saindo. 

Histórias de Biu Doido 

Dizem que um certo dia uma mulher ia passando em uma rua de São José, e Biu estava subindo em um poste e ela parou e perguntou a Biu: 

− Biu! O que você está fazendo trepado no poste? E sem pausa Biu respondeu: 

− Vou chupar manga! 

E a mulher intrigada falou: 

− Mas, Biu, isso aí é um poste, não é um pé de manga não! 

Ligeiramente Biu disse: 

− Mas a manga tá no meu bolso. 

(Do blog de Paulo Robério − Poeta Pajeuzeiro)

Inserido no Blog Sertão Poeta 

Severino Cassiano Pereira, Mestre Bio (ou Biu) Doido, dono de tantas histórias, já é falecido, morreu com mais de noventa anos em São José do Egito-PE, suas proezas estarão sempre na lembrança daqueles que conviveram com ele e repassadas às futuras gerações. Ou seja, não há de morrer nunca! 

* Em algumas narrativas grafam Bio e, em outras, Biu. 

Mais historinhas de Biu Doido 

Certa vez, Biu Doido pegou uma vareta, amarou nela um barbante e o colocou numa bacia cheia d’água. Alguém passou por ele e perguntou: 

− Biu, o que você esta fazendo? 

− Pois num vê? Estou pescando! 

− Mas no barbante não tem anzol! 

− E na bacia tem peixe? 

******* 

Um dia, um amigo perguntou a Biu o que era bom para coceira. Biu respondeu na hora. 

− O bom é ter unhas grandes

******* 

Certa vez em uma farra, cercado por muita gente, Biu doido fazia rir aquele povo presente. Alguém, perguntou, com ironia 

− Biu, já plantou muita melancia? 

Biu respondeu 

− Não, só a semente. 


P.S. Severino Cassiano Pereira viveu 91 anos, nasceu em 15 de maio de 1910 e faleceu em 19 de agosto de 2001.

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