segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Um velho gaúcho que não se entrega


                                                   Veterano

 Compositores: Ewerton Ferreira / Antônio Augusto Ferreira

Está findando meu tempo,
A tarde encerra mais cedo,
Meu mundo ficou pequeno,
E eu sou menor do que penso.

O bagual tá mais ligeiro,
O braço fraqueja às vezes,
Demoro mais do que quero,
Mas alço a perna sem medo.

Encilho o cavalo manso,
Mas boto o laço nos tentos,
Se a força falta no braço,
Na coragem me sustento.

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega,
Assim no mais!
 

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega,
Assim no mais!
 

Nas manhãs de primavera,
Quando vou parar rodeio,
Sou menino de alma leve,
Voando sobre o pelego.

Cavalo do meu potreiro
Mete a cabeça no freio,
Encilho no parapeito,
Mas não ato nem maneio.

Se desencilha o pelego,
Cai o banco onde me sento.
Água quente de erva buena
Para matear em silêncio.

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega
Assim no mais!

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega
Assim no mais!

Neste fogo onde me aquento,
Remoo as coisas que penso.
Repasso o que tenho feito
Para ver o que mereço.

Quando chegar meu inverno,
Que me vem branqueando o cerro,
Vai me encontrar venta-aberta
De coração estreleiro.

Mui carregado dos sonhos,
Que habitam o meu peito,
E que irão morar comigo
No meu novo paradeiro.

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega
Assim no mais!

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega
Assim no mais!

Se lembro o tempo de quebra,
A vida volta pra trás.
Sou bagual que não se entrega
Assim no mais!

P.S. A melhor gravação dessa música, na internet, está na voz de Leopoldo Rassier.

Ewerton Ferreira conta a história da música “Veterano”

Série de reportagens conta a história de quatro músicas marcantes do cancioneiro gaúcho, destrinchando letras e melodias a partir dos relatos de autores e intérpretes.

Um indivíduo com larga experiência de vida, mas que não quer se entregar para o tempo.

Assim pode ser definido qualquer gaúcho que se encaixe no folclore da música

Veterano, de Antonio Augusto Ferreira e Ewerton Ferreira, vencedora da Calhandra de Ouro na 10ª edição da Califórnia da Canção Nativa, em 1980. Mas o homem que se sustenta na coragem caso falte força no braço é Jonatas Magalhães Ferreira, pai de Antonio Augusto e avô de Ewerton.

− Ele (Jonatas) teve uma vida bastante difícil, criou os filhos praticamente sozinho. E, ao final da vida, não queria justamente se entregar. Achava que tinha vigor para realizar as próprias vontades. Imaginava-se como um jovem− conta Ewerton, hoje oficial de Justiça.

No final da década de 1970 e início dos anos 1980, a Califórnia atingia seu ápice. Diversas canções de qualidade invejável saíram daquela época para entrar na história do movimento nativista. O jovem Ewerton, ainda que mais identificado com o rock e a MPB, foi convidado a participar do festival como instrumentista, em 1979.

− Fiquei muito entusiasmado com a proposta do movimento e queria, no ano seguinte, entrar como compositor. Mas não tinha a vivência e o linguajar campeiro para fazer uma composição no nível da Califórnia − recorda.

Um acidente de trânsito em março de 1980 tentou interromper o sonho de Ewerton, mas o tio não deixou. Antonio Augusto, poeta e fazendeiro, visitou-o no hospital e prometeu escrever uns versos para o sobrinho. A Califórnia ocorreria em dezembro.

− Fiquei “entrevado” por um tempo. Sofri três cirurgias na perna esquerda. O Antonio Augusto voltou depois de um tempo com a letra de Veterano na mão, sugerindo que eu musicasse como uma milonga. Mas saiu um chamamé − explica.

Dali para o palco, e, do palco, para a memória dos gaúchos, eternizada na interpretação de Leopoldo Rassier e do grupo Os Serranos.

− A música tinha uma pulsação forte, diferente, que fazia bem para as pessoas. Naquela época, eu lembro que passava pelos lugares e ouvia as pessoas cantarolando, assoviando, e isso me enchia de orgulho − relata Ewerton. − Há alguns dias, meu afilhado caminhava pela rua e viu duas pessoas tocando Veterano. Me ligou e pôs no telefone para que eu ouvisse − acrescenta.

Autor da composição, Antonio Augusto morreu em 2008, após lutar contra um tumor no cérebro, 28 anos depois de deixar para a eternidade um dos clássicos da música regional. Mas o saudosismo de Veterano acompanhou o poeta, carregado de sonhos que foram morar com ele em seu novo paradeiro.

                          (De Zero Hora, setembro de 2015)

Antônio Augusto Ferreira (São Sepé, 16 de maio de 1935 − Santa Maria, 17 de março de 2008) foi um poeta e letrista brasileiro.

Era membro da Academia Rio-Grandense de Letras, ocupando a cadeira 28, que tem como patrono o João Belém e tinha como ocupante anterior o teatrólogo, jornalista e escritor Edmundo Cardoso, morto em 2002, e da Academia Santa-Mariense de Letras.

Em 1980, ganhou a Calhandra de Ouro da 10ª Califórinia da Canção Nativa de Uruguaiana com a música “Veterano”, que foi escrita junto com Ewerton dos Anjos Ferreira, para um sobrinho, vítima de um acidente. A canção foi interpretada por Leopoldo Rassier e Os Serranos.

Em 2001 ganhou o Troféu Negrinho do Pastoreio da poesia campeira do governo do Estado. 

Durante 12 anos Tocaio Ferreira, como também era conhecido, conviveu com o mal de Parkinson, mas foi o avanço de um tumor no cérebro a causa de sua morte.

 

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