Continua nos discos e nas fitas*. E continua, ainda mais límpida e mais viva, na nossa memória.
O resto é como um desenho feito a lápis, sem fixador, que vai se apagando com o tempo. O que ela fez, o que ela disse, o que disseram dela...
A voz não se apaga. O disco pode arranhar, a fita pode gastar, mas a voz que a gente guarda na memória continua tão nítida que até atrapalha: não podemos ouvir outra cantora sem ouvir, junto, a voz dela, e comparar. É covardia. Ninguém mais canta como ela.
Era uma baixinha complicada.
Uma pimenta, planta miúda e ardente. Tinha de saber como lidar, senão ela queimava. Morreu e se transformou num milagre de botânica.
Hoje é uma flor que a música brasileira usa atrás da orelha.
E o seu nome é sempre-viva.
Ela usava a voz como um instrumento.
Ela era isso, um instrumento de sopro. Como o piston, que também é pequeno e difícil, mas canta como um anjo.
Só que os instrumentos, bem cuidados, duram cem anos.
E ela não se cuidou. Acabou antes do tempo.
Mas a voz continua, viva e límpida.
Continua nos discos e nas fitas. E ainda mais viva e mais límpida na nossa saudade.
19 de janeiro de 1983**
* Nesse ano, 1983, não havia, no Brasil, os CDS. Foi no dia 9 de abril de 1986 que houve o lançamento do primeiro Compact Disc (CD) no Brasil. A então revolucionária tecnologia da indústria musical teve como o seu primeiro lançamento no país o disco “Garota de Ipanema”, gravado pela cantora Nara Leão, considerara uma das musas da bossa nova.
A Usina do Gasômetro está localizada às margens do lago Guaíba, em Porto Alegre, RS.
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