Essa história aconteceu quando Hitler
ainda não era o Führer, mas já galvanizava as massas de Munique com sua
oratória feroz, nos albores dos anos 20 do século 20. Quer dizer: ele não se
resumia mais apenas a um fracassado pintor de paisagens, nem a um candidato a
arquiteto renegado, já desfrutava de certo conceito como líder político. Porém
não muito. Tratava-se de uma estrela de brilho local.
Por essa época, alguns de seus
apoiadores decidiram apresentá-lo à alta sociedade bávara. Então, certa noite,
lá estava aquele tipo estranho, atrás de seu bigode amputado, metido em seu
terno azul-escuro surrado, convivendo com o crème de la crème da aristocracia
alemã. E eis que o anfitrião, numa deferência especial ao convidado, serviu-lhe
um vinho fino, uma das pérolas da sua adega pessoal.
Aí Hitler cometeu um horror que bem
poderia servir de augúrio para o que iria aprontar nos anos vindouros: temperou
o vinho com açúcar! Algo como se Lula tivesse pingado adoçante no Romanée Conti
que Duda Mendonça lhe ofereceu para festejar a vitória de 2002.
Hitler era culto, era lido, mas não
era sofisticado. O espírito se sofistica por meio do cultivo dos prazeres da
vida, e os prazeres da vida não interessavam a Hitler. O que não deixavam de
notar seus contemporâneos. Quando ele começou a bajular a esposa desse mesmo
anfitrião do vinho, uma beldade germânica chamada Helene, ela tranquilizou o
marido:
– Não se preocupe. Ele não é um
homem. Ele é um neutro.
Um neutro. Que definição precisa. Não
significa que fosse homossexual, como muitos de seus inimigos afirmaram depois
da guerra. É que Hitler, ao que tudo indica, não se interessava pela coisa.
Suas energias estavam todas canalizadas na tomada do poder e na consecução de
seus planos sinistros para a Alemanha.
Hitler não bebia, não fumava e não
gostava de comer. Com a idade, transformou-se em um quase abstêmio e em um
vegetariano perfeito. Não tinha amigos íntimos, a família restringia-se a uma
irmã que pouco via.
Sintomático.
Tenho a convicção de que se Hitler ou
outros personagens-chave da História fossem mais mundanos, se gostassem mais de
beber, de comer, de rir com os amigos e das belas fêmeas da espécie, se eles
cultivassem tais interesses, o mundo seria um lugar bem melhor para se viver.
Afinal, são esses pequenos prazeres que tornam os seres humanos... humanos.
Mais até: os prazeres da vida cevam a
criatividade. Donde, aposto no sucesso de talentos como Carlos Alberto e Zé
Roberto na Dupla Gre-Nal. São jogadores que sorvem os deleites da vida,
sabe-se. E aqui eles continuarão a sorvê-los, mas com a dose de moderação que
se impõe em uma cidade menor, com vigilância maior. Que usem a imaginação que
lhes conferem as delícias da existência. E deixem as tarefas duras de marcação
para os germânicos da zaga e da volância.
O livro
definitivo
Li a história do crime que Hitler
cometeu contra o bom vinho do seu anfitrião bávaro num livro do professor
britânico Ian Kershaw, “Hitler”, talvez a melhor e mais completa biografia do
ditador austríaco de todas as centenas já escritas nos últimos 70 anos. Tomei
conhecimento desse livro monumental através de dois amigos: Fernando Eichenberg,
o Dinho, que entrevistou Kershaw em Paris e o elogiou aos quilos, e o Cyro
Silveira Martins Filho, um homem que conhece e gosta de História. O Cyro me
disse:
– Não há nada melhor sobre Hitler.
Pois acho que está certo. A edição
condensada da biografia tem mais de mil páginas de um texto refinado como o
aristocrata que ofereceu vinho a Hitler na década de 20. Ler esse livro é um
prazer que só quem gosta da vida mundana é capaz de apreciar por inteiro.
(Crônica publicada no jornal Zero Hora, fevereiro de 2011)
Muito bom o texto, muito sintomático o comportamento desse monstro; guardadas as devidas proporções, o atual presidente quando ainda era um tenente do exército certo carnaval acampou com a família no camping do meu sogro em Parati, passou os quatro dias reclamando de outros campistas, ameaçando atirar em algum deles, mal humorado o tempo todo e com isso não curtiu o feriado tendo uma ótima praia à sua disposição! sintomático! eu sou testemunha.
ResponderExcluirRealmente, muito sintomático, sem alegria de viver, sempre em constante animosidade com as pessoas que nos rodeiam, define, muito cedo, o caráter de uma pessoa. Parati é um dos lugares mais lindos, que eu, gaúcho,já conheci, pois une beleza natural, arquitetura barroca e boa comida.
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