Fernando Sabino
12/10/1923 − 11/10/2004
“O que faz um escritor”, do livro “O
gato sou eu”, ele conta a história de uma entrevista que concedeu a uma
estagiária de um jornal do Rio.
- Me mandaram fazer com você uma entrevista sobre o marquês – e ela foi ligando logo o gravador.
- Que
marquês? – estranhei.
- Esse que vocês editaram.
- Não editamos nenhum
marquês que eu saiba.
- O autor desse Best-seller
de vocês, Cem anos de perdão.
- De solidão.
- Ou isso: de solidão. Ele
não é marquês?
- Não. Ele não é marquês. O
nome dele é Gabriel García MÁRQUEZ. Com z no fim. Se duvidar, é capaz de ter
até acento no A.
- Então é isso. Foi
confusão minha – e ela não se deu por achada, muito menos por perdida, sempre
empunhando um microfone junto ao meu nariz:
- Por
que é que o livro dele está fazendo tanto sucesso?
- Porque é um livro muito
bom.
- Foi por isso que vocês
publicaram?
Respirei fundo:
- Por isso o que, minha
filha?
Ela me olhou como se estivesse
entrevistando uma toupeira:
- O que estou querendo
saber é por que vocês publicaram o livro dele.
- Porque nos foi
recomendado como sendo um livro muito bom.
- Recomendado por quem?
- Pelo Neruda.
- Quem?
- Pablo Neruda. Quando ele
esteve no Rio pela última vez, falou com o Rubem (Braga) que se tratava do
romance mais importante em língua espanhola desde Dom Quixote.
- Quem
é esse?
- Esse
quem? O Rubem?
- Não, o outro.
- Dom Quixote?
- Não. Esse cara que você
falou antes. O que recomendou o livro.
Resolvi deixar cair:
- Você vai me desculpar,
minha filha, mas não dá. A entrevista fica para outra vez, quem sabe. É muita
honra para um pobre marquês, mas infelizmente... Ou Márquez se você não se
incomoda. No mais, muito obrigado.
- Eu é
que agradeço!
Ela desligou o gravador, com ar
satisfeito, despediu-se e foi-se embora.
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