terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O parceirinho do poetinha

(Depoimento de Carlos Lyra)


Carlos Lyra, ao violão, Nara Leão e Vinicius de Moraes.

Tom Jobim e eu morávamos na mesma rua, Barão da Torre, em Ipanema. Como de outras vezes, Vinicius veio um dia descendo aquela rua com o propósito de depositar “letrinhas” novas em cada uma de nossas casas. A primeira parada foi na minha. Entrou, foi logo puxando do bolso do paletó um pedaço de papel e dizendo: “Taí, parceirinho, a letrinha que eu fiz para aquela tua musiquinha.” E cantarolou a melodia enquanto eu alcançava o violão. Em seguida, tentei encaixar em minha música a letra que dizia:

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina quem vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar...

A letra não casava com a melodia. Pedi socorro: “Tem certeza que é assim mesmo, Vinicius?” E ele se deu conta: “Não, parceirinho, não é isso não! Essa aí é uma letrinha que eu estou fazendo pro Tomzinho.” Meteu a mão no outro bolso do paletó e tirou outro pedaço de papel, em que se lia:

Se você quer ser minha namorada,
Ah, que linda namorada
Você poderia ser...

Respirei aliviado. Aquela letra, afinal, dava certinho na minha música.


Minha namorada

Carlos Lyra & Vinicius de Moraes

Se você quer ser minha namorada,
Ah! Que linda namorada
Você poderia ser,
Se quiser ser somente minha,
Exatamente essa coisinha,
Essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser.
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento,
Ser só minha até morrer...
E também de não perder esse jeitinho,
De falar devagarinho
Essas histórias de você.
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho,
Sem ninguém saber por quê.
E se mais do que minha namorada,
Você quer ser minha amada,
Minha amada, mas amada pra valer.
Aquela amada pelo amor predestinada,
Sem a qual a vida é nada,
Sem a qual se quer morrer.
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você.
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos,
E os seus braços o meu ninho,
No silêncio de depois.
E você tem que ser a estrela derradeira,
Minha amiga e companheira,
No infinito de nós dois.

(Do livro “Eu & A Bossa − Uma história da Bossa Nova,
CD Book de Carlos Lyra)

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