sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A Batalha

 

Montado em seu cavalo branco, com suas vestes reais, lá estava o soberano daquele reino, tendo ao seu lado o filho, muito jovem, mas igualmente envergando os trajes que imitavam os do pai. A coroa cintilava sobre a cabeça majestosa e a armadura brilhante tornava a figura real digna de um quadro. Seus três generais o encontraram, informando que o momento da batalha se aproximava. O rei assentiu com a cabeça, levemente, autorizando o início do combate. Despediu-se do filho, que iria combater, e permaneceu onde estava, já que não poderia participar da refrega. Ficaria ali, farol e incentivo aos que lutavam no vale. Sua visão era a força de que precisavam os soldados, para lhe dar a vitória. Viu quando as flechas voaram sobre sua cabeça, buscando o inimigo oculto. Ouviu o ruído aterrorizante das espadas se chocando e o relinchar dos cavalos feridos. Em menos de duas horas, à distância, viu que as ações amainavam. Só então desmontou e entrou em sua tenda. Logo um mensageiro o procurou com duas notícias: a vitória dos seus generais e a morte de seu filho. Como exigia sua condição real, recebeu sem qualquer reação as duas notícias. Bem mais tarde, quando tudo havia terminado, mandou que viessem à sua presença os generais, um de cada vez. 

Ao primeiro que se apresentou, o rei perguntou: 

- Que motivo nos levou à luta? 

- Senhor, o soberano vizinho queria se apropriar de uma extensão de terra árida, não obstante, pertencente à vossa majestade. Lutamos para manter a posse da terra. 

O rei o dispensou e chamou o segundo general, a quem repetiu a mesma pergunta. 

- Majestade, o soberano vizinho se recusou a discutir a posse da terra. Fomos ofendidos e por isso levados à batalha. 

O rei assentiu com a cabeça, dispensou o homem e mandou chamar o último general, a quem repetiu a pergunta. 

- Meu rei, somos guerreiros por natureza, se não fosse pela posse da terra, lutaríamos por outra qualquer razão. Está em nossa índole. 

O velho soberano reuniu então os três generais para lhes dizer: 

- Cada um de vocês tem uma ideia diferente das razões da batalha. Um acha que lutamos pela terra, outro acha que foi para revidarmos uma ofensa e o último considera que nossa luta existiu porque somos guerreiros por natureza. Pois eu lhes digo que essa foi a batalha da vaidade, do orgulho vão, da impaciência, da falta de diálogo e da destemperança. Não ganhamos nada. Temos uma terra que sempre foi nossa e que nada vale. No entanto, o rei das terras vizinhas levou o bem mais precioso que eu tinha, o meu filho. Eu fiquei com uma terra inóspita que agora é um cemitério onde repousa o corpo dilacerado de um rapaz. Não, de muitos rapazes. Como ousam dizer que ganhamos a batalha? Como dirão isso às viúvas e mães desconsoladas, que perderam maridos e filhos nesses campos? Não existe meia vitória. 

O rei tentava se manter de pé, tal era seu desânimo. Mesmo assim, continuou falando aos generais: 

- Amanhã, em comitiva, visitaremos o reino vizinho. Não como vencedores, mas para dizer ao meu inimigo que a batalha que importava realmente, foi ganha por ele. Nós perdemos, senhores, porque lutamos por algo que não valia nossas vidas. Não quero ficar com as terras que conquistamos hoje. Eu as darei de bom grado, a quem as quis para si. Portanto, providenciem a comitiva para as primeiras luzes do dia. 

Os generais se retiraram e o rei conseguiu, enfim, chorar. Deitou-se e tentou dormir. Seu coração doía. No dia seguinte, encontraram-no morto. 

(Clarival Vilaça − 09/02/98)

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