Um caudilho gaúcho
O Testamento em versos de Honório Lemes, o qual foi o próprio autor, foi publicado no jornal “A Plateia” de Sant’Ana do Livramento, por Rui Fernandes Barbosa, após receber os originais de Cacílio Lima, gabrielense do distrito de Batovi.
Quando
a morte arrebatar-me,
Fica
meu pedido cá,
Que
escrito deixarei já
Para
oficial ou soldado,
Que
eu quero ser enterrado
Nas grotas do Caverá.
Se
pretendem me entregar
A
minha cortante espada,
Podem
dar ao camarada
General
Flores da Cunha,
Que
me pegou quase a unha
E não quis me fazer nada.
O
meu cavalo tostado,
Companheiro
na campanha,
Que
entendia qualquer manha,
Eu
deixo como presente
Para
o Doutor intendente
Senhor Osvaldo Aranha.
O
meu par de boleadeiras,
Que
boleou muito bagual,
Eu
vou deixar afinal
Para
bolear brasileiros,
Que
fugiram traiçoeiros
Do Partido Federal.
Do
meu chapéu a divisa,
Deixo
nesta ocasião
Para
o museu da nação
Deste
país brasileiro
Para
verem que um tropeiro
Também faz revolução.
Para
os outros generais,
Companheiros
de resgate,
Que
andavam por toda parte
Cobrando
imposto de guerra,
Eu
deixo aqui nesta serra
A bomba e a cuia de mate.
Lá
perto do Caverá,
Deixo
uma herdade
Para
um redator da cidade,
Que
uma vez em seu jornal
Me
tratou de General
Tropeiro da liberdade.
Os
contos de loteria,
Que
dizem que eu tirei lá,
Gastem
ele desde já
Numa
cruz com o letreiro:
−
Aqui repousa o tropeiro
O
Leão do Caverá!
O general rebelde, sua mulher, filhos e netos pouco antes de mais uma revolução no Rio Grande do Sul da primeira metade do século passado.
Pesquisa de Paulo Mena
Pesquisador
Fonte de consulta: o livro, Honório Lemes, As Revoluções de seu tempo de Jorge Telles.
(Do blog Fotos Antigas do Rio Grande do Sul)
O maior guerrilheiro latino-americano
Por Ricardo Ritzel*
(...)
Mas afinal, quem foi o general Honório e como ele se tornou uma lenda gaúcha e parte formadora de nosso tecido sociocultural?
Honório Lemes nasceu no dia 23 de setembro de 1864 em Cachoeira do Sul. Sua família, bastante pobre, se transferiu para Rosário do Sul quando ele tinha 12 anos, quando também começou trabalhar, ajudando o pai na lida campeira. Tinha traços indígenas mestiços e pouca estatura física.
Perdeu a mãe ainda bastante jovem e ajudou a criar um irmão menor deste matrimônio, além dos oito filhos do segundo casamento do pai.
Foi tropeiro dos 12 até seus 28 anos. Com 29 anos incompletos, em 1893, se alistou na Coluna de Gumersindo Saraiva, incorporando como suboficial da força de Manoel Machado, logo no início da Revolução Federalista. Lá aprendeu e desenvolveu seu apurado senso militar com o lendário general maragato e seu irmão, Aparício. Destacou-se pela inteligência e espírito tático. Galgou todos os postos no exército rebelde até ser aclamado coronel.
Depois do conflito, voltou a ser um simples fazendeiro na Serra do Caverá. Era extremamente ligado a família. Foi pai de cinco filhos, todos eles combatentes revolucionários de 1923, 24 e 25.
Com mais uma reeleição do velho Borges de Medeiros para presidência do estado, em 1922, e as sérias acusações de fraude eleitoral, apresentou-se novamente para o combate revolucionário.
Em
março de 1923 já tinha uma tropa considerável em sua base, a Serra do Caverá, e
pronta para entrar
Dali partiu para tomar Uruguaiana. Não conseguiu, mas abriu um dos mais aguerridos duelos de todos os tempos em solo rio-grandense que só cessou em 1925 com a admiração mútua dos dois inimigos: Honório contra Flores da |Cunha, o então intendente daquela cidade da fronteira.
Daí em diante, participou de mais de 20 combates e inúmeras refregas contra as forças legalistas durante todo conflito de 23. Perdeu algumas, venceu outras, nunca foi pego ou encurralado. Foi ovacionado em todas cidades que “visitava” com suas forças. Era admirado por homens mulheres e crianças de toda a região da Campanha e Missões. Foi determinante no honroso armistício e, por consequência, no Tratado de Pedras Altas, que reintegrou os federalistas na vida política rio-grandense.
Líder natural e carismático, impressionava tanto aliados como adversários pela sua simplicidade. Comandou, ao natural, peões e agregados, além de gente com muito mais posses e estudos, como fazendeiros, militares de carreira e profissionais liberais.
Ficou conhecido pela audácia e coragem nos campos de batalha, uma lenda. Assim como ponderação e justiça no trato político e social. Mesmo sendo chimangos…
Conta Zolá Franco Pozzobom, em seu livro “Como Dizia Honório Lemes” que, “Honório não permitia degolas e atrocidades contra o inimigo. Conta-se que um dia, um uruguaio foi preso por homens de sua coluna e levado ao acampamento maragato com sérias suspeita de ser espião do caudilho Nepomuceno Saraiva. Imediatamente foi cercado pela soldadesca no temível quadrado humano que antecedia os duelos e, é claro, as degolas. Antes de qualquer ação dos maragatos, foram interrompidos por Honório, que permitiu o oriental se explicar:
− ‘Por favor, general: primeiro, avise minha família no Uruguai que fui morto. Segundo, que foi a maior injustiça. Não sou soldado, nem mercenário. Sou comerciante de gado. Terceiro, levem meus restos para o Uruguai’, suplicou altivo, mas já sentindo a faca no pescoço.
Honório se convenceu no ato da honestidade do homem e, emocionado, abraçou-o. E imediatamente ordenou que alguns homens de sua confiança o levassem em segurança até Artigas”.
Honório ainda participou da Revolução de 24, quando se aliou aos militares para derrubar o governo federal e ainda a malograda Revolução de 25, quando a aviação, o telégrafo, armamento moderno e farta munição o fizeram se render depois de cinco dias de marcha em território gaúcho, no célebre encontro com Flores da Cunha e Osvaldo Aranha nas margens do Arroio Conceição, quando todas as tropas maragata e chimanga ovacionaram juntas o Rio Grande do Sul e seu povo.
O já lendário general rebelde gaúcho também foi convidado pelo seu antigo arquiinimigo, Flores da Cunha, para lutar ao seu lado na Revolução de 30, com objetivo de derrubar a República Café com Leite. Aceitou e conspirou, mas a vida revolucionária cobrou seu preço e Honório faleceu de uma forte pneumonia antes dos primeiros tiros, no dia 30 de setembro daquele ano.
É dele a frase imortal e tão atual: “Quero leis que governem os homens e não homens que governem as leis”.
Enfim, Honório foi, junto com Flores da Cunha, um dos últimos lendários generais de cavalaria gaúchos. É nossa gente, é nossa história, é história do Rio Grande do Sul!
(*) Ricardo Ritzel é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 – Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.
Bibliografia:
– De Ibirapuitan ao Armistício; de Antero Marques; Grafosul, 1985;
– Como dizia Honório Lemes; de Zolá Franco Pozzobom, Martins Livreiro, 1997;
– Honório Lemos: As Revoluções de seu Tempo; de Jorge Telles, Edigal, 2012.
Sempre admirei Honório Lemes, esse resumo foi bem feito.
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