terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Garçons de praia

 O garçom número 1

Eu não queria casquinha de siri. Queria um bife suculento de quatro dedos de altura e batatas douradas como as loiras que se repoltreiam nas areias de Atlântida. Queria uma bebida forte para tirar a poeira da garganta, talvez um bourbon. Sim, eu vinha de longe, vinha das montanhas, e me sentia como Tex Willer chegando a um saloon do Kansas. Foi o que disse para o garçom: 

− Quero um bife de quatro dedos de altura, meu bom rapaz. E uma bebida forte para tirar a poeira da garganta. 

Mas o garçom me olhou e rebateu: 

− Nada disso. O senhor vai comer casquinha de siri. 

Com mil tatuíras! O que aquele fedelho, biltre, sacripanta, beleguim estava pensando? Eu não queria casquinha de siri. Mas ele argumentou: 

− Se a casquinha de siri não estiver ótima, se não for a melhor casquinha de siri que o senhor já comeu, não precisa pagar. Eu pago com meu dinheiro. 

Pisquei. Encarei-o. Ele sustentou o olhar, desafiador. Seria verdade? Estaria eu prestes a provar a melhor casquinha de siri dos meus dias praianos? Resolvi ceder. 

− Muito bem, meu bom rapaz: casquinha de siri. E uma cerveja gelada como coração das mulheres de pernas longas e saias curtas que mariposejam pelo litoral. 

Mas ele: 

− Não. O senhor vai provar uma caipirinha de vodca que eu mesmo faço, com as minhas mãos. 

Era mesmo muito atrevimento daquele safardana. Mas cedi outra vez: caipirinha. Ele se foi para a zona cinzenta dos fundos do restaurante. Voltou de lá com uma gorda casquinha de siri e um copo verde-escuro de caipirinha. Fez com que aterrissassem a dez centímetros do meu peito. E ficou de pé ao lado da mesa, esperando o veredicto. Enfiei o garfo na casquinha de siri. Mastiguei um bocado. Virei-me para o garçom. Ele ergueu as sobrancelhas, expectante. 

− Não será desta vez que você pagará por uma casquinha de siri, meu bom rapaz − admiti. 

Ele sorriu, vitorioso. Mas não se deu por contente. 

− E a caipirinha? 

Provei um gole. Balancei a cabeça: 

− De fato, meu bom rapaz. De fato... 

Só então ele se foi. No dia seguinte, voltei ao lugar. Procurei o dono do restaurante, que já conhecia, o Régis Trevisani. Disse-lhe: 

− Você tem aí um garçom que sabe das coisas. 

Ele: 

−Já sei: o Cléber. Um bom rapaz. 

Balancei a cabeça: 

− Um bom rapaz... 

O garçom número 2  

  

Eu e meu amigo Amilton Cavalo nos encontramos para empreender uma vigorosa caminhada pela areia da praia. Após quilômetros de exercício estafante, olhamos para o deque do Villa e pensamos que ali poderia ser o lugar ideal para repor as energias. 

− Talvez haja uma sombra reconfortante − disse eu. 

− Talvez haja também uma cerveja gelada que nos refresque a alma e os membros doloridos − disse ele. 

− Talvez haja ainda uma camarãozinho ao bafo temperado com ervas finas − disse eu. 

Fomos lá. Sentamo-nos. Ao nosso lado, um homem casado muito conhecido da vida citadina tentando seduzir uma garota de joelhos redondos e dedos de tocadora de cítara (sim, há homens que traem na Orla, embora sejam raros). Ela se levantou por um momento, creio que para ir ao banheiro. Foi-se, ondulando. O homem chamou o garçom e perguntou: 

− Conto com sua descrição? 

O garçom aprumou-se atrás de seus óculos escuros e sentenciou: 

− Meu nome é Alex. Tenho olhos e não vejo, tenho ouvidos e não ouço, tenho boca e não falo. Aqui eu sou como um padre no confessionário. Sou profissional. 

Eu e o Amilton nos entreolhamos. 

− Ei! Alex! − Chamei. 

Ele se aproximou. 

− O que você sugere para dois homens cansados da lida praiana? 

Alex não hesitou: 

− Uma cerveja gelada que vai fazer seus dentes doerem. Um prato de camarão ao bafo temperado com ervas finas. 

Eu e o Amilton nos entreolhamos outra vez. Alex. Ali estava, re-al-men-te, um profissional. 

***** 

(Do livro “Histórias bem temperadas”,

de David Coimbra − L&PM Editora) 

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