O garçom número 1
Eu não queria casquinha de siri. Queria um bife suculento de quatro dedos de altura e batatas douradas como as loiras que se repoltreiam nas areias de Atlântida. Queria uma bebida forte para tirar a poeira da garganta, talvez um bourbon. Sim, eu vinha de longe, vinha das montanhas, e me sentia como Tex Willer chegando a um saloon do Kansas. Foi o que disse para o garçom:
− Quero um bife de quatro dedos de altura, meu bom rapaz. E uma bebida forte para tirar a poeira da garganta.
Mas o garçom me olhou e rebateu:
− Nada disso. O senhor vai comer casquinha de siri.
Com mil tatuíras! O que aquele fedelho, biltre, sacripanta, beleguim estava pensando? Eu não queria casquinha de siri. Mas ele argumentou:
− Se a casquinha de siri não estiver ótima, se não for a melhor casquinha de siri que o senhor já comeu, não precisa pagar. Eu pago com meu dinheiro.
Pisquei. Encarei-o. Ele sustentou o olhar, desafiador. Seria verdade? Estaria eu prestes a provar a melhor casquinha de siri dos meus dias praianos? Resolvi ceder.
− Muito bem, meu bom rapaz: casquinha de siri. E uma cerveja gelada como coração das mulheres de pernas longas e saias curtas que mariposejam pelo litoral.
Mas ele:
− Não. O senhor vai provar uma caipirinha de vodca que eu mesmo faço, com as minhas mãos.
Era mesmo muito atrevimento daquele safardana. Mas cedi outra vez: caipirinha. Ele se foi para a zona cinzenta dos fundos do restaurante. Voltou de lá com uma gorda casquinha de siri e um copo verde-escuro de caipirinha. Fez com que aterrissassem a dez centímetros do meu peito. E ficou de pé ao lado da mesa, esperando o veredicto. Enfiei o garfo na casquinha de siri. Mastiguei um bocado. Virei-me para o garçom. Ele ergueu as sobrancelhas, expectante.
− Não será desta vez que você pagará por uma casquinha de siri, meu bom rapaz − admiti.
Ele sorriu, vitorioso. Mas não se deu por contente.
− E a caipirinha?
Provei um gole. Balancei a cabeça:
− De fato, meu bom rapaz. De fato...
Só então ele se foi. No dia seguinte, voltei ao lugar. Procurei o dono do restaurante, que já conhecia, o Régis Trevisani. Disse-lhe:
− Você tem aí um garçom que sabe das coisas.
Ele:
−Já sei: o Cléber. Um bom rapaz.
Balancei a cabeça:
− Um bom rapaz...
O garçom número 2
Eu e meu amigo Amilton Cavalo nos encontramos para empreender uma vigorosa caminhada pela areia da praia. Após quilômetros de exercício estafante, olhamos para o deque do Villa e pensamos que ali poderia ser o lugar ideal para repor as energias.
− Talvez haja uma sombra reconfortante − disse eu.
− Talvez haja também uma cerveja gelada que nos refresque a alma e os membros doloridos − disse ele.
− Talvez haja ainda uma camarãozinho ao bafo temperado com ervas finas − disse eu.
Fomos lá. Sentamo-nos. Ao nosso lado, um homem casado muito conhecido da vida citadina tentando seduzir uma garota de joelhos redondos e dedos de tocadora de cítara (sim, há homens que traem na Orla, embora sejam raros). Ela se levantou por um momento, creio que para ir ao banheiro. Foi-se, ondulando. O homem chamou o garçom e perguntou:
− Conto com sua descrição?
O garçom aprumou-se atrás de seus óculos escuros e sentenciou:
− Meu nome é Alex. Tenho olhos e não vejo, tenho ouvidos e não ouço, tenho boca e não falo. Aqui eu sou como um padre no confessionário. Sou profissional.
Eu e o Amilton nos entreolhamos.
− Ei! Alex! − Chamei.
Ele se aproximou.
− O que você sugere para dois homens cansados da lida praiana?
Alex não hesitou:
− Uma cerveja gelada que vai fazer seus dentes doerem. Um prato de camarão ao bafo temperado com ervas finas.
Eu e o Amilton nos entreolhamos outra vez. Alex. Ali estava, re-al-men-te, um profissional.
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(Do livro “Histórias bem temperadas”,
de David Coimbra − L&PM Editora)
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