quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Os poetas da detenção

 

Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1° de setembro de 1905.

Artigo no qual o cronista João do Rio divulga uma canção popular, para violão e cavaquinho, que tem como mote a Revolta da Vacina. Tais versos foram escritos por José Domingos, que, pelo que indica o artigo, encontrava-se detido. 

No Jardim do Crime. Os Poetas da Detenção 

Não há mais ninguém com coragem para ler um poema heroico, apesar de haver ainda neste mundo de contradições - heróis guerreiros. Só o povo, a massa ignara, ainda acha prazer em ver em rimas batalhas ou arruaças. José Domingos, no cubículo que o veda á admiração dos contemporâneos, escreveu Os sucessos, cançonela repenicada, para violão e cavaquinho. 

          Vejam o poder de descritiva de Domingos: 

Dia quinze de novembro
Antes de nascer o sol
Vi toda a cavalaria
De clavinote a tiracol.
 

Isso é, incontestavelmente, mais belo que o antigo e clássico começo épico: “Eu canto os feitos, ou as armas, ou as guerras civis”, de todos os vales e de Lucano, que por sinal começa dizendo: “Eu canto as nossas guerras mais que civis nos campos de Emathia...”, Cidade foi mais urbano, mais imediato: cantou a refrega civil da Rua da Passagem - com exagero apenas. Na segunda quadra, a descrição é soluçante: 

As pobres mães choravam
E gritavam por Jesus;
O culpado disso tudo
É o Dr. Oswaldo Cruz!
 

Quando o homem predestinado que se chama Oswaldo Cruz pensou que José Domingos o amarrasse ao papel de carrasco em plena Detenção? 

          Para o fim, mesmo em verso, o autor é modesto e patriota: 

O autor desta modinha
É um pobre sem dinheiro,
Já não declara-lhe o nome,
Sou patriota brasileiro.
 

João do Rio 

Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de a mais terrível das revoltas populares da República. O cenário era desolador: bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos tudo feito por uma massa de 3 000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. E o personagem principal, o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.


Nenhum comentário:

Postar um comentário