sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Episódios da saga do cabo Laurindo

Pracinhas da FEB* 

*Força Expedicionária Brasileira. 

Mais um episódio na saga do lendário cabo Laurindo (personagem que aparece no cancioneiro de Noel Rosa, Wilson Batista, Haroldo Lobo, Heitor dos Prazeres, Zé da Zilda e Grande Otelo, além do próprio Herivelto − autor do presente samba. Quem canta é Aracy de Almeida. Gravação de 1946. 

No enfoque do tema, a decepção de um ex-soldado da Segunda Guerra Mundial, após seu retorno da Itália (1945). Ele, então vitorioso, esperava um grande carnaval − nada aconteceu com ele e muito menos com este samba! Infelizmente, a música “Às Três da Manhã’, foi esquecida pelos discotecários − quase não foi tocada, em lugar nenhum! (Walmir Dantas). 

Às Três da Manhã 

Herivelto Martins 

Às três da manhã,

Ele guardou o apito e foi se deitar.
Não bebeu, não sambou.
Não bebeu, mas brigou
Pra se desabafar.
Do carnaval da vitória esperava uma coisa

Que o povo não fez.
Ele apitou e animou, fez tanta miséria,
Mas ninguém se guiou.

Hoje existe um sambista magoado,
Um apito guardado e um coração ferido.
Foi pracinha e voltou com glória,
Queria tomar parte no Carnaval da Vitória!
 

Cabo Laurindo 

Haroldo Lobo / Wilson Batista. 

Laurindo voltou

Coberto de glória,

Trazendo garboso no peito

A Cruz da Vitória.

Oi! Salgueiro, Mangueira,

Estácio, Matriz estão agindo

Para homenagear

O bravo cabo Laurindo! 

As duas divisas que ele ganhou, mereceu.

Conheço os princípios

Que Laurindo sempre defendeu.

Amigo da verdade,

Defensor da igualdade.

Dizem que lá no morro

Vai haver transformação.

Camarada Laurindo,

Estamos à sua disposição! 

Comício em Mangueira 

Germano Augusto / Wilson Baptista. 

Houve um comício em mangueira

E o cabo Laurindo falou.

Toda escola de samba aplaudiu, é...

Toda escola de samba chorou.

Eu não sou herói,

Era comovente a sua voz,

Heróis são aqueles

Que tombaram por nós. 

Houve missa campal,

Bandeira a meio pau.

Toda escola de samba rezou.

Laurindo então lembrou os nomes

Dos sambistas que tombaram.

Mangueira tomou parte na vitória,

Mangueira, mais uma vez na história! 

Cabo Laurindo, um herói inexistente da música brasileira 

Por Bruno Hoffmann 

Um personagem inusitado surgiu na música brasileira em 1943. Era Laurindo, protagonista da canção homônima de Herivelto Martins composta para o carnaval daquele ano. A música era uma continuação de Praça Onze, esta primeira sobre a destruição da praça onde as escolas de samba cariocas desfilavam. 

No novo samba, o personagem subia o morro comemorando: Não acabou, a Praça Onze não acabou / Vamos esquentar nossos tamborins. O nome “Laurindo” também tinha sido usado num samba de Noel Rosa na década anterior, mas a foi a partir da canção de Herivelto que começaria a inspirar outros compositores da cidade. 

Afinal, quem era Laurindo? Ninguém. Ele nunca existiu, mas caiu nas graças dos sambistas da época (até hoje não se sabe por quê.). O mais notório continuador da saga de Laurindo foi o sambista Wilson Batista. Com uma diferença. O compositor transformou-o num diretor de bateria da Mangueira, mas que parou as atividades carnavalescas para lutar na Segunda Guerra Mundial. Como conta a letra de Lá Vem Mangueira: Lá vem Mangueira / Sem Laurindo na frente da bateria/ Perguntei: Conceição, o que aconteceu? / Laurindo foi pro front, este ano não desceu. 

Só que Wilson tratou de dar um final feliz para o soldado. Em Cabo Laurindo, em parceria com Haroldo Lobo, o pracinha voltava intacto do campo de batalha, “coberto de glória, trazendo garboso no peito a cruz da vitória”. 

A história não pararia por aí. Haveria ainda uma terceira canção, Comício Em Mangueira, desta vez numa parceria com Germano Caetano. A letra e a melodia são emocionantes. 

A música conta sobre um discurso do soldado logo após a volta triunfante: Houve um comício em Mangueira / O cabo Laurindo falou / Toda escola de samba aplaudiu / Toda escola de samba de samba chorou/ “Eu não sou herói” / Era comovente a sua voz / “Heróis são aqueles que tombaram por nós”.

Não faltou gente que acreditasse que Laurindo existisse de fato. Menos o compositor Zé da Zilda, que tratou de desmascarar o impostor num samba. Na letra, afirma que o sujeito é tratado como herói, porém “nem saiu de Niterói”. E que sua única participação na guerra foi a de ficar “na retaguarda aplaudindo a nossa gente”. 

Depois de tantas músicas, chegou a um ponto de Wilson Batista não suportar mais ouvir sobre o herói fictício. O compositor chegou a planejar matá-lo num crime passional. Laurindo seria encontrado assassinado numa viela do morro da Mangueira, mas a canção nunca saiu. 

A cantora Cristina Buarque diverte-se com a história. Cristina, que gravou parte das músicas sobre Laurindo, ainda tem dificuldade de entender por que o inexistente veterano da Segunda Guerra caiu nas graças de sambistas da década de 1940. Numa entrevista, a cantora disse, entre risos: “Comício em Mangueira é um negócio emocionante. A volta de Laurindo, o discurso, as pessoas chorando. E é tudo mentira!”.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário