sábado, 13 de novembro de 2021

O Barão de Itararé, o lutador, pelo riso, das causas sociais.

 

Foto: Helenira 

Barão, ainda adolescente: 

No colégio, em outra ocasião, ele voltou a dar mostra de um raro talento para o desacato à autoridade. Durante uma aula de Português, um dos professores, Oswaldo Vergara, que mais tarde se tornaria importante advogado, pediu um exemplo de conjugação de um verbo no mais-que-perfeito. O jovem Aparício não resistiu à tentação e levantou o dedo: 

‒ O burro vergara ao peso da carga. 

Apesar da brincadeira, o mestre acabou aprovando o aluno e comentou depois com os outros professores: “Sim, ele realmente foi desaforado, mas revelou ter o mais importante: conhecimento. Não havia razão para massacrá-lo. O mundo se encarregará dele”, profetizou o professor. 

A despeito das demonstrações de irreverência, era estimado pelos professores, provavelmente por suas boas notas. 

O Barão mantinha boas relações com o círculo do poder e a alta sociedade carioca, justamente os personagens com quem lidava nas páginas do seu diário. Getúlio Vargas, apoiado por ele no início do mandato presidencial, passou a ser pintado como inimigo ao se manter no poder por oito anos. Mereceu de Torelly a anedota: “Sabe como se chama nosso caro presidente? Gravata Preta. Adapta-se a qualquer roupa e a qualquer regime.” 

Parceiro em mesas de bilhar, o compositor Heitor Villa-Lobos ganhou tratamento mais ríspido: dono de “ignorância niagaresca, blusa russa e cabelos desgrenhados, como uma Desdêmona ressuscitada”. Era uma resposta ao fato dele valer-se das benesses do prefeito carioca para desenvolver um projeto em escolas, “à custa do erário público”. 

Fonte: Cláudio Figueiredo. As duas vidas de Aparício Torelly: O Barão de Itararé. Editora Record, Rio de Janeiro, 1987. 

Curiosidades sobre o Barão

Foi sequestrado, apanhou, rasparam-lhe a cabeça e o deixaram nu num local deserto. Não recuou. Na porta da sala da redação, colocou uma placa: “Entre sem bater”, numa alusão à repressão de que fora vítima.

O barão foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Comunista Brasileiro. O slogan de sua campanha política era: “Mais leite, mais água, mas menos água no leite ‒ Vote no Barão de Itararé, Aparício Torelly”. Em 1947, o registro do partido foi cassado e o “barão” perdeu o mandato. 

O barão seria um “homem sem segredos que vive às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas”, um “grande herói que a pátria chora em vida e há de sorrir, incrédula, quando o souber morto”. 

Certa vez, houve uma confusão que o teria feito aderir ao integralismo, cujo lema era “Deus, Pátria e Família!”, e que o barão teria entendido como “Adeus, pátria e família!”. 

Quando veio o golpe de 1964, o Barão se sentia doente. Dizia: “Antigamente, minhas pernas levavam meu corpo. Agora, é o meu corpo que arrasta as minhas pernas”. 

Uma curiosidade: o Barão, nos últimos anos de vida, viúvo, morava sozinho num apartamento. Não permitia que matassem as formigas nem as baratas. As formigas, explicava, porque lhe ajudaram a descobrir que estava diabético. As baratas porque foram treinadas pelos presos políticos e serviam de emissárias entre eles, carregando pequenos bilhetes de uma cela para outra. 

Aparício Torelly, o Barão de Itararé, representa o destemor, a resistência à opressão, a coerência. Vamos concluir com o depoimento de outro imortal, o romancista do povo Jorge Amado, no prefácio à obra Máximas e Mínimas: “Não houve no Brasil, na década de 40, escritor mais unanimemente lido e admirado do que o escritor cujo riso, ao mesmo tempo bonachão e ferino, fazia a crítica aguda e mordaz da sociedade brasileira e lutava pelas causas populares. Mais do que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos”. 

Convidado pelo governo comunista de Pequim, o barão fez uma viagem pela China, em 1963, e foi também a Moscou, capital da Rússia (então União Soviética). De volta ao Rio de Janeiro, isolou-se em seu pequeno apartamento, no bairro de Laranjeiras, onde morou até sua morte, aos 76 anos. 

Em 1971, deu sua última entrevista para a revista Realidade. Morreu sozinho no dia 27 de novembro daquele ano. Poucas pessoas compareceram ao seu enterro num sábado, dia de chuva, no Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista, sepultura 248, quadra 13. 

Deixou uma frase cunhada para se colocar em sua lápide quando fosse enterrado:

“O que se leva da Vida é a Vida que se leva”.

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