segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Só por uma vírgula

 

Cordel de José Walter Pires* 

(01) 

Até quando já nem sei

Desta língua vou falar

Nos seus diversos falares

Do erudito ao popular,

Brincando com a gramática

Que não paro de estudar. 

(02) 

As normas gramaticais

São verdadeiros dilemas

E muitas delas já foram

Os motivos dos meus temas

Em cordéis educativos,

Amenizando problemas. 

(03)

O cordel tem por missão

Informar e divertir,

Semear educação

Para poder garantir

Um presente glorioso

Que sedimente o porvir. 

(04)

Ver o cordel nas Escolas

É a voz que não se cala,

Um vetor da aprendizagem,

Sendo usado em cada sala,

Quebrando a monotonia

Que toma conta da aula. 

(05)

O tema que abordo agora

Merece muita atenção,

Pois só se vê claramente

No contexto da oração,

Não é somente uma pausa

Ou simples entonação.

(06) 

Será a vírgula a vilã

Neste novo itinerário

Com os assombros que causa

Muitas vezes, sendo hilário,

Modificando o contexto,

Criando novo cenário. 

(07)

Isso não será compêndio,

Mas somente uma cartilha

Onde aprendi soletrando,

Persistindo nessa trilha

Por um longo itinerário

Cada légua, cada milha. 

(08)

A vírgula, no seu conceito,

Vem de uma função sintática

Dentro de cada oração,

Conforme ensina a Gramática

E só será aprendida

Quando aplicada na prática. 

(09)

É ordem de qualquer frase:

Sujeito, verbo, objeto

E também os adjuntos,

Dando sentido correto

Ao que se chama oração,

Ordem direta, por certo!

(10) 

Sujeito do predicado

Não se separa jamais

Nem objeto de verbo;

Adjuntos adnominais

Do nome sempre vêm juntos,

Essas regras são gerais. 

(11)

São quatro casas na frase:

O sujeito é a primeira,

Em segundo vem o verbo,

Complementos a terceira,

As circunstâncias a quarta

Numa oração rotineira. 

(12)

Entre as casas um, dois, três,

A vírgula não é usada

E também entre um e dois,

Entre dois e três sem nada;

Porém, entre três e quatro,

Pode ou não ser colocada. 

(13)

Nomes de localidades

Com vírgulas são separados

No início de documentos

Ou final, quando datados.

Dessa forma sendo feitos,

Ficarão bem registrados. 

(14)

Se a oração adverbial

Antepõem-se à principal,

Ainda que se desculpe,

(Por ter me causado um mal)

Eu não vou lhe perdoar!

A vírgula é sempre usual. 

(15)

Orações coordenadas,

Entre si independentes,

Não pode faltar a vírgula,

Apesar de erros frequentes.

Dessa forma, é necessário

Vírgula e conjunção presentes. 

(16)

A vírgula antes do “e”

Merece muita atenção:

Nas três estrofes seguintes

Ponho fim à discussão.

Fica a sintaxe correta,

Mais enxuta a oração. 

(17)

O professor deu a nota,

E a Secretária anotou

No boletim semestral

Que o Colégio adotou.

São, portanto, dois sujeitos

Que a conjunção separou. 

(18)

E varre, e lava, e dá brilho.

Com a vírgula e conjunção.

Dessa forma, com mais ênfase,

Para cada citação,

Embelezando o contexto

Que traduz a oração. 

(19)

Sofre mudança semântica

A conjunção “e” aditiva,

Antes da vírgula empregada,

Passando à adversativa,

Portanto uma consequência

Que a conjunção motiva. 

(20)

Rita disse que viria,

E (como sempre) não veio.

A vírgula fica correta.

Deve usá-la como esteio,

Justificando o sentido

Da oposição, sem receio. 

(21)

Uso da Vírgula é correto

Com as enumerações

Ou com termos repetidos:

Os fãs, cheios de emoções,

Cantam, vibram, choram, sofrem,

Extravasando paixões.  

(22)

Com mas, porém, todavia,

Contudo, muito cuidado

Com o sinalzinho gráfico

Que de vírgula é batizado,

Pois pode bagunçar tudo

Quando o seu uso for errado. 

(23)

Com os advérbios em “mente”,

A vírgula é facultativa,

Mesmo no início ou no meio.

Se realçá-los precisa,

Use a vírgula sem vergonha

Pela intenção expressiva.

(24) 

Com “ainda” e “também”

A vírgula exige cuidado

A depender do sentido

Que na frase seja dado:

Pois erros, também, cometo.

Vírgula ainda é pecado.

(25) 

Depois de “mas” não se usa,

Conforme é regra geral.

No sentido de porém,

É certo usar o sinal;

Com contudo ou todavia,

Entre vírgulas é normal.

(26) 

Também entre vírgula vão

“Isto é”, “melhor dizendo”,

Expressões explicativas,

Como agora estou fazendo

No “ócio criativo”, ou seja,

Lendo, estudando, aprendendo.

(27) 

O mesmo fato acontece

Quando se trata do aposto.

Com vírgula fica isolado

Para enaltecer o posto

Assim como o vocativo:

Ó filho, quanto desgosto!

(28) 

Locuções adverbiais,

Conjunções intercaladas:

“Naquela tarde”, “no entanto…”

Em orações, deslocadas,

Invertendo a ordem direta,

Com vírgulas são destacadas.

(29) 

Uma vírgula também pode

Uma palavra omitir:

Gosto de rua, ela não!

Um pretexto pra fugir

Quando lhe faço um convite

Para comigo sair.

(30) 

A vírgula deve vir antes

Se o “pois” for explicativo;

Porém, antes e depois

Quando o “pois” for conclusivo,

Equivalendo a “portanto”,

Sendo, pois, de uso preciso.

(31) 

Você trabalha ou estuda?

Conjunção alternativa

Uma vírgula antes do “ou”

Colocá-la não precisa

Para não quebrar a guia

Da função conectiva.

(32) 

Agora chega o talvez

Com a sua explicação:

Não me separe com vírgula,

Pois é íntima a ligação

Com o meu subjuntivo,

Sendo verbo da oração.

(33) 

Não é permitida a vírgula

Numa oração relativa

Pelo “que” iniciada;

A oração explicativa

Com duas vírgulas grafadas;

Nenhuma na restritiva.

(34) 

A vírgula ainda desperta

Muita curiosidade

Em várias situações

Com a criatividade

Nas montagens de expressões

Fruto da ludicidade.

(35) 

‒ Peço, espere mais um pouco!

Diz a amante ao seu amado.

‒ Isso só, minha doce amada?

Sou Quixote apaixonado!

‒ Não, desejo muito mais

Para viver ao seu lado!

(36) 

Vejam: “Matar não é crime!”

Um dia, o rei decretou.

Entretanto, o condenado,

Com uma vírgula, mudou

O sentido da sentença

E da morte se livrou.

(37) 

Acredite quem quiser!

Em gramática não pequei.

O livro de Pedro Luft,

Foi nele que pesquisei,

Um linguista brasileiro

Que como guru adotei.

(38) 

Chego ao fim desta aventura

Desdenhando da gramática.

Só não sei se consegui

Demonstrar a minha prática

Com os exemplos que dei

De maneira mais enfática. 

*Utilizando-se da obra “A Vírgula”, de Celso Pedro Luft, linguísta gaúcho, o poeta cordelista José Walter Pires retirou os ensinamentos para a composição de trinta estrofes, em sextilhas, com versos de sete sílabas poéticas, sob primoroso rigor técnico da literatura de cordel.


José Walter Pires (Zewalter) – nativo de Ituaçu‒BA., adotivo e cidadão de Brumado, educador e sociólogo, escritor e poeta, renitente nordestino, amante da literatura, em especial a de cordel, gosto que nasceu nos serões de cultura com os seus irmãos, em sua casa, sob os olhares vaidosos de seu Dadinho e a prudência de  Dona Nita, depois para Salvador, destino dos interioranos, nos idos tempos, em busca da educação e o sonhado caminho da sobrevivência. Membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira de número 21, do seu patrono o poeta paraibano (Solânea), Joaquim Batista de Sena, com posse em 21 de agosto de 2010, em João Pessoa, na Paraíba, com vários títulos e livros publicados, inclusive em grandes editoras nacionais.

P.S. Esse cordel sobre a vírgula está no livro “À crase os meus respeitos”, de Plínio Nunes, lançado no 67ª Feira do Livro de Porto Alegre, RS, com os devidos créditos.


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