quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O poema de um imigrante

 

Quando olhei para o mar e divisei, ao longe, o nada na linha do horizonte, meu corpo estremeceu, meus pensamentos se embaralharam. Fui tomado por um certo pavor, por uma indecisão. Afinal, eu estava deixando toda a minha vida para trás: os meus pais, os meus amigos, amores de adolescência, as conversas na praça, os passeios após a missa. 

Senti uma dor muito forte no peito, minha boca ficou seca e o suor umedeceu as mãos. 

Agarrei-me a alguma coisa no navio. Baixei a cabeça, procurei respirar fundo, e arrisquei: mais uma vez olhei para a imensidão das águas, tentei equilibrar-me colocando as mãos nos bolsos do meu casaco puído, mantive-me firme, parecia querer assumir uma posição de orgulho e desafio. 

Por alguns instantes, vieram-me à mente coisas que aprendera no pouco tempo em que estive na escola. Lembrei dos heróis da minha terra, recordei a luta do meu povo, a esperança de uma vida melhor jamais abandonada pela minha nona. 

E comecei a sentir um vigor, uma força, uma convicção: Sim, eu iria para o Brasil, iria enfrentar o desconhecido, iria deixar tudo para trás. Com o meu suor, com o meu empenho, construiria uma nova vida. Não, não importavam os sofrimentos e os percalços que poderiam ocorrer. Eu honraria minhas origens. Eu seria o filho de Amabile e de Domenico. 

Certamente, não enfrentei nem mais nem menos do que os meus compatriotas. Fui explorado, queriam que eu trabalhasse como um escravo; fui enganado, recebi montanhas pedregosas por vales verdejantes; fiquei doente, quase morri. Trabalhei como um insano. Mas jamais desisti. 

E hoje, abraçando os meus netos, não deixo de achar tudo muito interessante. Venci, superei obstáculos. E, o mais importante, sou um homem com uma emoção que poucos podem sentir: Amor por duas pátrias. 

(Giovanni Tuigo) 

Poema aos italianos:

 “Oração dos descendentes” 

Senhor Deus,
Protetor dos mais fracos
Sofredores e oprimidos,
Obrigado por ter guardado
Os nossos antepassados queridos…

Que vieram da terra nostra
Tão querida e distante,
Buscar desse lado do oceano
Um novo Horizonte…

Plantando belas flores
Num jardim abandonado,

Dando vida a tantos campos
Onde o sofrimento foi enterrado…
Essa gente tão diferente
Com vozes altas e cantaroladas,
Escondia dentro do peito
As feridas nunca cicatrizadas…

Assim o tempo foi passando
Como moinho moendo lembranças,
Naqueles rostos escorria o suor
Transformado em esperanças…

A luta incansável do dia a dia
Embaixo do sol e da chuva,
Os pés que sustentavam o corpo
Também amassavam a uva…

Para fazer o santo vinho
Que afogava as tristes mágoas,
Trazidas pelos navios
Fazendo riscos nas águas…

Hoje nós fazemos de volta
Aquele incerto roteiro,
Com a mesma coragem
Daqueles bravos guerreiros…

Que nos dão tanto orgulho
Há muitos e muitos anos,
Que Deus abençoe a todos
Descendentes de italianos.
 

Por Braz Gardini, ítalo-brasileiro, poeta e escritor. É autor também de “Ser italiano é...”. 

Apaixonado pelas coisas da Itália, ele contribui com belos textos para os descendentes de italianos. 

(Do blog Italianismo)

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