quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Des(esperança)

 Jéferson Tenório

Dias atrás, participei de um evento literário com a jornalista da GloboNews Flávia Oliveira. A conversa foi mediada pelo curador do Festival Literário Internacional de Itabira, Afonso Borges. Na conversa, tínhamos a difícil missão de falar sobre “esperança”. Para mim era um grande desafio, porque sempre impliquei com essa palavra. 

Talvez essa implicância seja alimentada pela própria origem do vocábulo “esperança”, que vem do latim sperare e, dentre outras definições, significa também “esperar por algo”. Neste sentido me parece que a “esperança” contém em si um sentimento de passividade. Ou seja, espera-se porque não há mais nada a fazer. Além disso, o conceito de esperança também contém a possibilidade da derrota. Ter esperança é ter fé. A esperança é uma linha tênue entre o sucesso e o fracasso. 

Por isso, às vezes penso que ao invés de termos “esperança”, devíamos era “desesperar”, isto é, “parar de esperar”. Assumindo uma postura mais ativa diante da vida, um modo existencialista de tomar as rédeas das coisas. 

Ouvindo e aprendendo com a lucidez de Flávia Oliveira, pensei comigo: o futuro não é um bom lugar para viver. É o presente que nos exige esforço e dedicação. Mas como continuar nossas vidas depois de tudo que passamos? Como manter a esperança diante de uma terra devastada? Genocídio de povos indígenas, aniquilação da Amazônia, a tragédia da covid-19 agravada por um governo irresponsável. Desemprego e ataques às minorias. 

Visto desse modo, a esperança parece não ter vez. No entanto, durante nossa conversa, chegamos a um consenso: o de que poderíamos estar muito piores. Sei que é difícil imaginar um cenário mais catastrófico para o Brasil, mas a verdade é que os movimentos de resistência impediram que o alçapão no fundo do poço fosse aberto. 

Sou escritor e às vezes acho que tudo que eu tenho é a literatura, mas estou errado. Tudo que nós temos são as pessoas. E se há alguma esperança a ser depositada, será nelas. E apesar dos pesares, apesar da decepção que as pessoas nos causam, ainda sim, elas são tudo que temos. 

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(Em Zero Hora, novembro de 2021)

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