segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Mala pesada,

 sem alça e sem rodinhas. 

Carpinejar


Quem não tem medo de ser chato torna-se chato. 

Talvez a prepotência seja o caminho mais rápido até a chatice. 

Ao se considerar imune ao perigo, é mordido pela mosca azul. 

Chato é aquele que não se á conta do seu exagero. Monopoliza a atenção, não oferece espaço para mais  ninguém falar. 

O chato é a overdose da presença. 

O chato não sabe se despedir, não sabe o momento de se retirar, não sabe o instante de se calar. Ameaça um “tchau” e retoma o “oi”, recomeçando a saudação. 

Você viverá uma saideira de pé, infinita. 

Ele é o último a abandonar uma festa, a visita que não vai embora, que não respeita o cansaço e o sono alheios, que dá palestras ao telefone. Não percebe que as pessoas têm outros compromissos. 

Todo chato conversa segurando o ombro ou a braço do interlocutor e fica beliscando para criar suspense ou pontuar a emoção de suas histórias. 

Você não desfrutará de liberdade para desvencilhar de seu cerceamento, encontrando-se preso a uma cotoveleira eletrônica. 

Ele também se estaca pela compulsão de ser engraçado, de ser simpático, inventando piadas desprovidas de graça e rindo alto de cada uma delas. Acredita que tudo o que diz é importante e inadiável. Ele é, simultaneamente, o orador e o próprio público. 

É aquele que jura que não está incomodando e arranja um pretexto para emendar assuntos. Apresenta incontinência verbal, apocalíptica, como se o mundo fosse acabar no próximo minuto. Não pode esquecer nada. Leva lista de supermercado para o bate-papo mais banal. 

O chato jamais sofre de pressa, não confere o relógio. Ou seja, acompanhará você para qualquer lado que esteja indo. Ele é um carrapato, sua escolta nas horas impróprias. 

Tanto faz se avisar que segura pela direita ou esquerda, para o lado oposto, ele é carente como cachorro de rodoviária. 

Não há como despistá-lo, porque ele não tem nenhum lugar agendado. Não apresenta um destino predeterminado ‒ vem vagando sem rumo. 

Chatice é tempo ocioso. Você logo se transforma no seu paradeiro, no seu alvo ‒ vai querer almoçar com você, tomar café com você, passear com você, sair às compras com você. 

Ele não guarda nem um pouquinho de timidez, de cautela, de pudor. Seu lema é “vou junto”. Confunde a indiscrição com solicitude. Pensará que está fazendo um favor não o deixando sozinho. 

O chato é perigoso e demorado, porque não tem consciência de que é chato. Não arca com a culpa. 

A chatice é um excesso, um sol a princípio simpático que se transforma em insolação. Pode até ser um excesso de virtude. Quem é preocupado demais com você vira chato. Quem é atento demais com você vira chato. Quem é romântico demais, a ponto de ser grudento, vira chato. 

O chato sempre antecipa algo que era para ser segredo. É ele que vai revelar ao aniversariante a festa surpresa. 

Tudo é literal para o chato: você comenta, de modo educado, para ele passar em sua casa qualquer dia desses. E não é que ele entende que se trata de uma urgência e aparece na mesma tarde? 

Vou parar por aqui antes de me sentir chato. 

(Do jornal Zero Hora, janeiro de 2023)

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