quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O gênio da bola

 Nilson Souza

Um pouquinho de ficção para suavizar a realidade. 

Um homem caminhava pela praia, em Santos, quando encontrou uma bola enterrada na areia. Estava cheia. Ele passou delicadamente a mão sobre ela para tirar a poeira. Sem se dar conta, estava repetindo o célebre gesto de Aladim, das Mil e Uma Noites. E a magia se fez outra vez: começou a sair uma leve brisa pela válvula e, de repente, o gênio se materializou. Não era azul, nem levava uma cimitarra na cintura para enfrentar os perigos da vida. Era um pretinho mirrado, olhos arregalados, calção e camiseta alguns números acima do seu, meões enrolados para não cobrir os joelhos e chuteiras folgadas nos pés. 

‒ Quem é você? ‒ espantou-se o caminhante. 

O menino não respondeu. Simplesmente enganchou a bola entre os pés, ergueu-a até a cabeça, fez uma reverência, colocou-a na parte de trás do pescoço e saiu fazendo embaixadinhas por este mundo de Deus ‒ que também o observava lá do alto, admirado com tanta habilidade. E o gênio da bola, disfarçado de Pelé, cumpriu seu destino: encantou multidões, fez mais de mil gols, conquistou corações e Copas, desbravou fronteiras, virou rei e ajudou a transformar o futebol no esporte mais apaixonante do universo. Atleta do seu século e da eternidade, jamais deixou de ser o moleque que deslumbrava plateias e inspirava gerações enquanto se divertia com o seu brinquedo de infância. 

Pois na semana passada o nosso brasileríssimo gênio voltou para sua lâmpada em formato de bola. Espero que sua passagem para outra dimensão tenha sido suave como aquele ar que escapa lentamente do brinquedo mágico e nos leva a refletir: até mesmo uma vida extraordinária nada mais é do que um sopro. 

(...) 

(Do jornal Zero Hora, 3 de janeiro de 2023)

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