sábado, 14 de janeiro de 2023

O fanático

 Marcelo Rech

O fanático político, aquele que habita os extremos do arco ideológico, não sabe que é fanático. Ele só acha que estão sempre errados todos os outros que não pensam exatamente como ele. O fanático, como se sabe, não admite posições divergentes. E, muito menos, que o considerem fanático por ter ganas de silenciar quem pensa diferente. 

O fanático político não nasceu fanático. Ele foi sendo fanatizado antes de passar a fanatizar outros. Seu fanatismo foi num crescendo. No início, nem era fanatismo, mas uma natural e compreensível irritação com aquilo que achava que estava errado. Depois, ele foi se indignando mais e mais até que encontrou outros ainda mais indignados quando mergulhou de cabeça nas redes sociais e nos grupos de mensagens. Logo, deixou de distinguir o que era verdade de delírio, mas tudo parecia fazer sentido. Nada dava certo porque havia sempre uma conspiração maligna − contra sua vida ou seus ideais. Nesta sua nova bolha social, na qual todos pensavam de forma idêntica, a indignação foi transformando em raiva, ressentimento e ira. A partir daí, quem dele discordava ou fazia objeções a suas ideias radicais virava inimigo a ser aniquilado. Estava fanatizado. 

O fanático recusa argumentos razoáveis, fatos ou relatos em contrários. Os grupos de zap são sua fonte de informação e confiança. Familiares chegam a ser expurgados de seu convívio porque discordam dele. O fanático se dedica de corpo e alma a seu objeto de devoção − uma liderança política hábil em explorar o fanatismo. O culto à personalidade, o linguajar e o uso de símbolos que o identificam com a mesma seita política o fazem sentir-se abrigado neste mundo paralelo. 

Em alguns casos, o fanático desiste da convivência com opostos e empenha todas as energias a seu fervor, desde que cercado por devotos da mesma corrente. Foi com tal motivação que algumas pessoas antes moderadas e equilibradas viveram 60 dias em barracas diante de quartéis. Quem duvidasse dos objetivos era tachado de fraco ou, o pior dos piores para os fanáticos, de traidor. 

Incentivados por outros fanáticos, o fanático embarcou em um ônibus e foi para Brasília. Para ele, ali no acampamento ninguém era fanático, pois todos eram como ele. Numa tarde de domingo, o fanático foi convocado para uma marcha à Praça dos Três Poderes. Enrolou-se em seus adereços e seguiu confiante ao lado dos iguais, celular na mão para registrar seu imaginado protagonismo na história. Aqueles em volta, também fanatizados, haviam se transformado em seu mundo, o seu normal. Em instantes, ele viu a chance de descarregar a raiva, a ira e rancor acumulados. Quando se deu conta, o fanático estava dentro de um palácio de Brasília quebrando vidros, móveis e cometendo um crime atrás do outro. 

O fanático agora está preso. E, como é fanático, não consegue entender por quê. 

(Do jornal Zero Hora 14 de janeiro de 2023)



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