quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Pequenos contos de Humberto de Campos

 Sinceridade

Sem pai, sem mãe, sem parentes, o Conrado voltara do serviço militar sem saber, mesmo, para onde fosse. Dos amigos da família, poucos restavam; e entre estes estava o Antônio Luiz, proprietário de uma pequena casa de móveis, cuja esposa o havia abandonado no mundo deixando-lhe, apenas, como documento de fidelidade matrimonial, a Ernestina e a Lulu, que andavam, agora, a primeira pelos vinte anos, a segunda pelos dezoito. 

Acolhido pelo Antônio Luiz, que lhe deu casa e emprego, achou o Conrado que o melhor modo de pagar ao velho aquela dívida de gratidão seria casar uma das meninas, embora as soubesse alegres demais, para um homem trabalhador. E foi com essa ideia que, um dia, em conversa, tocou no assunto ao comerciante. 

− Mas qual das duas você pretende? − indagou o velho. 

− Eu? A mim é indiferente. O senhor que as conhece bem, é que pode ver qual das duas me servirá. 

Antônio Luiz puxou a última fumaça do cachimbo de espuma, bateu-o, desentupindo-o, e falou, com a mão na consciência. 

− Meu filho, isso depende de você. Se você pretende mulher que lhe dê filhos, fique com a mais velha; se, porém, quer uma que não lhos dê, escolha a mais nova. 

E a um olhar interrogativo do rapaz: 

− Sim, porque, se ela tivesse de tê-los, já os teria tido. 

O Ladrão Honesto

O capitão Vicente Bandeira estava já no segundo sono, quando, pelas três horas da madrugada, percebeu barulho na sala de jantar. Ouvido alerta, sentiu um estalar de gaveta, e outros ruídos que lhe denunciavam a presença de estranhos, no andar térreo da casa. 

− Lulu? − chamou, sacudindo brandamente a mulher. − Lulu?... Lulu?... 

− Hein?... Hein?... Que é?... − fez a boa senhora, despertando. 

− Parece que temos gatuno em casa, filha! 

Corajoso e decidido, o valente militar engatilhou a pistola, e, de pé ante pé, desceu ao andar térreo. E não se tinham passado quatro minutos quando Dona Lulu conheceu, em cima, pela queda precipitada dos móveis, que o marido havia se atracado com o ladrão. 

Confirmada a sua suspeita, desceu. Cabelo alvoroçado, em ceroula, descalço, Vicente Bandeira tinha diante de si, encostado à parede, com as roupas em tiras e o rosto em sangue, um rapazola de uns vinte anos, que tremia, chorando: 

− Não me mate, senhor capitão. Eu sou um gatuno honesto! Eu roubo para viver, é certo; mas roubo sem rebaixar-me! 

Vicente Bandeira olhava o rapazola, sem compreender. E o desgraçado continuava: 

− Eu sou um rapaz de bons costumes, educado com grande carinho. Nunca frequentei lugares suspeitos! 

E as mãos juntas, o rosto em lágrimas, um choro de cortar a alma: 

− E a prova, senhor capitão, é que, para roubar, eu só visito casas de família!...

Nenhum comentário:

Postar um comentário