domingo, 28 de maio de 2023

A profecia

 Werner Zotz

Como é que o índio vê vida, as transformações que o homem branco lhe impõe? No texto a seguir, você lerá a profecia de um velho pajé. 

Caraíbas têm cabeça oca. Deviam ter aprendido muitas lições com o povo filho da terra e não souberam enxergar, nem ouvir, nem sentir. E sofrerão por isso. 

Dia virá em que ficarão com sede, muita sede, e não terão água para beber: os rios e lagoas e valos e regatos e até a água da chuva estarão sujos e pobres. E chorarão. E continuarão com sede porque a água do choro é salgada e amarga... 

O tempo da fome também virá. E a terra estará seca, o chão duro. As sementes do milho e a mandioca não mais nascerão verdes, alimentando a esperança de quarups ao redor do fogo com muita comida e bebida. A caça e peixe também terão fugido ou morrido. E a fome apertará o estômago do caraíba e ele não poderá comer nem sua riqueza, nem sua terra nua e estéril.  

Os dias serão sempre mais quentes. E quando o caraíba procurar uma sombra como abrigo, descobrirá que a terra não tem mais árvores.  

As noites serão escuras e frias. Sem lua, sem estrelas. E sem fogueiras quentes. 

E o caraíba, o homem-branco, chorará. E quando acordar de sua imensa estupidez será tarde, muito tarde. 

Eu, Tamãi, o velho pajé, falei. 

(Do livro “Apenas um Curumim”)

Vocabulário 

Caraíba − homem branco

Quarups − festas indígenas

Pajé − indivíduo responsável pela condução do ritualismo mágico, e a quem se atribui à autoridade xamanística de invocar e controlar espíritos, o que confere à sua ação encantatória poderes oraculares, vaticinantes e curativos.

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